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'Falta de articulação política pode travar a retomada do crescimento'

Integrante da equipe que criou o Plano Real, economista diz que dificuldade do governo na negociação com parlamentares lança incertezas sobre a agenda de reformas

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO - Integrante da equipe que criou o Plano Real, moeda nacional que completou 25 anos no mês passado, o economista Edmar Bacha acredita que a atual falta de articulação política, ao lançar incertezas sobre a agenda de reformas, mina a confiança na economia e pode travar a retomada do crescimento.

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Com a equipe econômica comandada por um ministro com pouca experiência na negociação parlamentar, o economista Paulo Guedes, e um governo cuja articulação parece baseada na “colisão” com a classe política, resta apostar no “protagonismo inusitado” do Congresso Nacional para levar as reformas adiante, diz Bacha, que conversou com o Estado.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Para Bacha, resta apostar no “protagonismo inusitado” do Congresso para levar as reformas adiante Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A dificuldade política de atacar o problema fiscal é a mesma nestes 25 anos desde a introdução do Plano Real?

Está pior (hoje), porque uma maneira pela qual resolvemos (na época do Plano Real) as pressões que vinham da Constituição de 1988 por aumento de despesas correntes do governo foi fazer duas coisas: primeiro, aumentar os impostos, através das contribuições sociais, que não tínhamos que repartir com Estados e municípios, e, por outro lado, aumentar a dívida pública. Foram duas saídas que permitiram manter certo equilíbrio nas contas públicas. Com a criação do tripé da política macroeconômica (em 1999), conseguimos produzir superávits primários, mas com aumento muito substantivo dos impostos.

Hoje não há mais espaço para isso?

Não, o Brasil hoje já tem um nível de taxação que é totalmente fora de proporção para um país emergente. O mesmo vale para a dívida pública.

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O economista André Lara, que também ajudou a formular o Plano Real, tem dito que um excesso de austeridade pode piorar a economia. O governo tem outra saída além de cortar gastos?

A questão básica, e eu diria que o André concorda, é que temos uma situação em que a dívida pública já está muito elevada e, com o déficit que temos, ela continuará crescendo. Como faz a economia pegar? Essa é a questão. É o governo gastando mais ou sendo mais austero? É uma questão de avaliação empírica. Se o governo for gastar mais, e com isso aumentar a dívida pública, tenderá a provocar uma fuga de capitais do Brasil no estilo do que se observa na Argentina. Será um tiro pela culatra. Em vez de provocar uma expansão econômica, isso tenderia a provocar uma crise cambial e, consequentemente, um aumento da inflação. O ideal, dado que temos tanto desemprego, é que o governo apresente um plano de médio e longo prazo crível de ajuste das contas públicas. Ganharia, com isso, alguma latitude no curto prazo para poder ter uma política mais flexível, do ponto de vista fiscal e monetário.

Com isso poderia abrir espaço para mais investimento público?

Sim, desde que você mostrasse (como fazer o ajuste). A reforma da Previdência tem isso. O impacto dela imediato não é tão grande. O impacto mais importante é ao longo de cinco ou dez anos. De qualquer jeito, uma vez que faça a reforma, você sabe que vai ter o resultado na frente. Isso cria uma expectativa favorável do ponto de vista do equilíbrio da dívida e, em certa medida, dá um pouco mais de folga para o governo redirecionar seus gastos para investimentos.

A reforma da Previdência trará crescimento?

Claramente, a Previdência sozinha não cria condições para o restabelecimento da confiança que permitirá um aumento do investimento privado. Tem que vir junto com outras coisas. Tivemos a ótima notícia da conclusão do acordo do Mercosul com a União Europeia (UE).

A Previdência é insuficiente então?

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A questão principal é que a Previdência abra as portas não somente para o equilíbrio fiscal, mas para um novo padrão de relacionamento do Executivo com o Congresso.

A aprovação, com folga, da reforma em primeiro turno na Câmara sinaliza para esse novo padrão?

Difícil de dizer. Pelo lado do Congresso, diria que sim, mas, do lado do presidente, aparentemente, ele continua mais preocupado em desenvolver sua própria agenda, conforme demonstra o fato de, no mesmo dia em que a Câmara aprovou a (reforma da) Previdência, ele anunciou a intenção de nomear um de seus filhos (o deputado federal Eduardo Bolsonaro) para a Embaixada em Washington.

Dá para comparar as negociações no Congresso sobre o Plano Real com a Previdência hoje?

É totalmente diferente. Naquele tempo, o ministro da Fazenda era um senador da República, que era o Fernando Henrique Cardoso. A equipe econômica era bastante tarimbada em negociações com o Congresso. Jamais você ouviu da minha boca coisas como as que o (ministro da Economia) Paulo Guedes anda dizendo por aí, como pressionar o Congresso, colocar contra a parede. Há, por um lado, amadorismo e, por outro lado, inexperiência, quando não falta de vontade política de sair lá do Planalto e descer a rampa.

Alguns dizem que a reforma está andando por que o Congresso está trabalhando por isso, numa espécie de “parlamentarismo branco”. O Congresso está mais a favor da reforma do que a ala política do governo?

O (o presidente Jair) Bolsonaro nunca se caracterizou propriamente como um deputado reformista. Muito pelo contrário, sempre se caracterizou como um deputado defensor dos interesses corporativos. Ele votou contra o Plano Real, por exemplo, porque o plano estava prejudicando o salário dos militares.

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Qual o risco de o Congresso estar mais a favor das reformas do que o governo?

Esse é “o” grande problema desse governo. Como brinquei outro dia: o Fernando Henrique inventou o presidencialismo de coalizão, que o Lula transformou no presidencialismo de cooptação, que o Bolsonaro recriou como o presidencialismo de colisão. Eles têm que encontrar uma forma de resolver isso. Lembro muito bem quando um prócer do PMDB, conversando lá sobre o processo de negociação (do Plano Real), me disse: “ô, Bacha, tem uma coisa que você tem que entender. Deputado precisa de duas coisas: prestígio e palanque. Se você der prestígio e palanque, a gente vota”. Esse é o tipo de lição que esse governo não está sabendo aproveitar.

Qual pode ser a consequência do “presidencialismo de colisão” para a economia?

A grande questão, agora, para a retomada do crescimento é a confiança. É ter um mínimo de estabilidade política, que dê um horizonte de planejamento, para que os recursos entrem, além, obviamente, de questões regulatórias. Por exemplo, por causa desse desencontro político, deixaram caducar a medida provisória do saneamento [que mudaria o marco legal das concessões para o setor], o que foi um erro extraordinário, porque saneamento é uma das questões não só em si mesmas importantes, mas também do ponto de vista de aumentar o investimento e o emprego.

Não há uma incoerência aí, já que essas questões regulatórias costumam estar na agenda da equipe econômica?

É, mas a equipe econômica não vota no Congresso. O problema é que o [ministro da Economia] Paulo Guedes não é propriamente alguém muito experiente, como ele mesmo reconhece, na condução política. E o [presidente Jair] Bolsonaro e o [ministro-chefe da Casa Civil] Onyx [Lorenzoni] também não são lá muito do ramo, nesse sentido.

A condução política com maior protagonismo do Congresso ameaça a continuidade das reformas?

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No Senado, tanto seu presidente [Davi Alcolumbre (DEM-AP)] como o provável relator da matéria, senador Tasso Jereissati [PSDB-CE], anunciam a intenção de repor os Estados e Municípios na reforma da Previdência. É um protagonismo inusitado tanto da Câmara quanto do Senado em defesa não das pautas bombas do passado recente, mas em prol de reformas importantes para o País. Tomara que essa parceria das duas Casas se repita na votação da reforma tributária, conduzindo o Executivo junto com elas.

Aprendemos com os erros recentes e o dragão da inflação foi debelado ou ele ainda está adormecido?

Tudo depende do compromisso do governo com o controle da inflação. No caso brasileiro, a gente tem a experiência, desde o Plano Cruzado, de que quando o governo não tem compromisso com o controle da inflação, ele cai. Isso foi uma lição que os políticos aprenderam. Na verdade, a votação do Real foi facilitada porque os políticos sabiam que, se apoiassem o Real e o plano desse certo, eles seriam reeleitos. E se eles ficassem contra o Real, seriam prejudicados eleitoralmente. Então, a estabilidade virou um trunfo eleitoral, o que é muito importante, desse ponto de vista de suavizar a tentação populista.

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