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Falta de recursos?

É fácil reclamar da falta de recursos sem querer discutir as causas do problema

Por Bernard Appy
Atualização:

Nas últimas semanas têm surgido várias notícias sobre a falta de recursos para atividades básicas do governo federal, tais como a emissão de passaportes pela Polícia Federal e as operações básicas realizadas pela Polícia Rodoviária Federal. O que à primeira vista parece ser uma situação de falta de recursos – e, para alguns, de exagero na atual política de contenção de despesas – é, na verdade, um exemplo claro da disfuncionalidade do orçamento federal e da urgência de políticas que permitam a redução das despesas obrigatórias, em particular da reforma da Previdência.

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Embora eu não conheça os detalhes da situação atual, do tempo em que trabalhei no Ministério da Fazenda sei que, em situações de contingenciamento, é muito comum que os órgãos do governo reajam alocando os recursos disponíveis em projetos e atividades menos essenciais, deixando uma dotação insuficiente para aqueles essenciais. Trata-se de uma estratégia de inversão de prioridades, na qual a insuficiência de verbas para atividades essenciais é usada para conseguir mais recursos. É possível que a atual gritaria em torno da falta de verbas para atividades importantes reflita uma situação semelhante.

Mas a inversão de prioridades, se de fato estiver ocorrendo, é um problema menor. O problema de fundo é a composição do orçamento federal. Do total de R$ 1,32 trilhão de despesas primárias previstas no orçamento de 2017 (antes do contingenciamento), R$ 1,17 trilhão corresponde a despesas obrigatórias. Dentre essas despesas se destacam os benefícios previdenciários para o setor privado (R$ 560 bilhões) e as despesas com pessoal (R$ 283 bilhões, dos quais R$ 111 bilhões – quase 40% – relativos a aposentadorias e pensões).

O montante de despesas discricionárias (não obrigatórias) previstas no orçamento era de R$ 148 bilhões, dos quais R$ 39 bilhões foram contingenciados. Ou seja, o contingenciamento de R$ 39 bilhões, que muitos consideram excessivo, corresponde a 26% das despesas discricionárias, mas a apenas 3% das despesas totais do orçamento. É óbvio que o problema do orçamento brasileiro está na dimensão e na rigidez das despesas obrigatórias, entre as quais se destacam os benefícios previdenciários e as despesas com pessoal.

Não há solução racional possível para o problema do orçamento brasileiro que não passe por enfrentar o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Obviamente a reforma da Previdência é o item principal desta agenda, mas também é essencial rever a rigidez das despesas com pessoal. Esta é uma agenda ainda pouco discutida no Brasil, mas que precisa ser enfrentada.

É fácil reclamar da falta de recursos sem querer discutir as causas do problema. No caso da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, se discute a falta de recursos, mas não se discute a composição do orçamento.

Segundo dados do SIGA Brasil, em 2016 cerca de 87% das despesas dessas entidades foram destinadas ao pagamento de despesas com pessoal, as quais não podem ser contingenciadas ou reduzidas. Numa gestão orçamentária mais equilibrada, o ideal seria alocar mais recursos para a aquisição de equipamentos e para o financiamento de atividades e menos para o pagamento do pessoal ativo e inativo.

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Aliás, os policiais federais possuem regras de aposentadoria ainda mais benéficas que as dos demais servidores públicos. Segundo a Lei Complementar 51/1985, os servidores públicos policiais podem se aposentar com proventos integrais com 30 anos de contribuição e 20 de exercício no cargo, valores reduzidos em 5 anos no caso das mulheres. Se é para discutir a falta de recursos no orçamento da polícia, por que não podemos discutir também os critérios de aposentadoria dos policiais?

O Brasil tem de deixar de olhar para os problemas pontuais do orçamento e passar a ver o orçamento como um todo. Ao fazê-lo descobrirá que não faltam recursos. O que falta é uma definição clara de prioridades e uma gestão orçamentária mais eficiente.

*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, FOI SECRETÁRIO EXECUTIVO E DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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