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Falta um plano de investimentos

Por Raul Velloso
Atualização:

Entre 2002 e 2008 o Brasil foi submetido a uma sequência de choques favoráveis que contribuíram para reduzir consideravelmente o problema de solvência pública e viabilizaram, com a ajuda de medidas como as reformas microeconômicas da gestão Palocci, o aumento da taxa de crescimento potencial da economia brasileira, de 2,7% para aproximadamente 4,5% ao ano. Lá fora o mundo crescia a todo vapor, ancorado na curiosa sinergia sino-americana, em que os americanos consomem ao máximo e os chineses poupam violentamente, produzindo e exportando enormes excedentes de bens e serviços, enquanto adquirem vultosos volumes de títulos do governo americano. Foram três as principais vertentes desses choques favoráveis: forte crescimento da demanda mundial por nossos principais produtos de exportação, forte subida dos preços dessas exportações e inundação do País por capitais externos. Diante disso a taxa de câmbio caiu, barateando as importações (especialmente de máquinas e equipamentos), a produção interna aumentou significativamente, as reservas internacionais deram um salto inédito, enquanto as empresas, apoiadas pelo expressivo ingresso de recursos externos, podiam financiar seus crescentes investimentos em condições bem mais favoráveis. Era uma reedição do nosso velho conhecido modelo de empuxo econômico externo que tantas vezes esteve presente no passado e que muitos esperavam que agora durasse para sempre. As receitas públicas cresceram acima do PIB, viabilizando maiores superávits fiscais e reduzindo a razão dívida-PIB sistematicamente, mesmo com os gastos correntes crescendo além da conta. Paralelamente, a dívida externa pública denominada em dólares, líquida das reservas internacionais, se transformava em crédito externo líquido, um milagre. O esgarçamento da operação do modelo de expansão internacional deu no desastre que deu: várias "bolhas" estouraram, a economia mundial desabou e a produção brasileira, idem. O grande drama agora é ver como o setor privado brasileiro voltará a investir fortemente diante da falta de perspectivas claras do lado externo, das pesadas perdas financeiras causadas pela crise, da escassez de financiamento externo e do encarecimento das importações de máquinas e equipamentos decorrente da subida da taxa de câmbio. Estimular o consumo interno pela via fiscal, como se está fazendo, é pouco para criar essa motivação. Os juros vão continuar caindo, mas isso também parece insuficiente. Abre-se uma grande oportunidade para repensarmos tudo isso. Apesar da maior queda do índice de produção industrial desde o início dos anos 90 (que demonstra a forte intensidade do impacto inicial da crise no Brasil), temos a vantagem de não precisar fazer, como os países desenvolvidos, grandes ajustes no sistema financeiro e nas poupanças individuais. Nem enfrentar problemas de solvência pública ou de balanço de pagamentos com o exterior, como fazíamos há bem pouco tempo, ou como vários países emergentes estão enfrentando agora. Falta, sem dúvida, controlar os gastos públicos correntes. Mas se não tivéssemos avançado o quanto avançamos, aí, sim, estaríamos mal. Na verdade, é preciso investir pesado (setor privado especialmente) para o País voltar a crescer a 4,5% ao ano, ou um pouco mais. Sem as mesmas perspectivas que havia nos últimos anos, os empresários estarão reticentes, até que novas fagulhas reacendam o fogo do novo ciclo de crescimento econômico. Cabe necessariamente ao setor público como um todo (União, Estados, municípios e empresas estatais) liderar o processo, pois só ele tem condições de preencher a lacuna existente, ainda que o momento político não seja dos mais apropriados. O instrumento básico que precisa ser apresentado à sociedade é um verdadeiro plano de expansão do setor de infraestrutura, especialmente de transportes e energia, além de outras indústrias básicas. Para esse fim, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é apenas um ponto de partida. É preciso algo bem mais articulado, com diagnóstico básico e proposta de solução. Dadas as novas metas de crescimento econômico, quanto é preciso investir nesses setores? De que forma? Quais as participações dos setores público e privado? Do financiamento público e do privado? É algo na linha do que já se fez no passado (2º Plano Nacional de Desenvolvimento), embora em condições completamente diferentes. Outro ponto é o importante papel que deve ser desempenhado pelos governos estaduais e municipais nesse plano, fundamental quando se requer mais agilidade na elaboração e implementação de projetos, exigindo que se revejam os esquemas de geração de superávits fiscais e renegociação de dívidas em vigor. Resta a decepção com a falta do dever de casa que deveria ter sido feito nos anos de bonança. Deveríamos ter praticado política fiscal anticíclica, ou seja, economizado mais recursos para poder usá-los rapidamente agora, e preparado um verdadeiro banco de projetos e ações relevantes para pôr em prática rapidamente em momentos críticos como o atual. *Raul Velloso é consultor econômico

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