Família discordam de indenização e resistem à mudança

Comunidade próxima à refinaria abriga cerca de 80 famílias

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Por Antonio Pita
2 min de leitura

A menos de 600 metros do canteiro de obras da refinaria, José Laurentino Jorge, de 81 anos, se debruça sobre a janela da casa de taipa para observar a paisagem onde antes havia a Usina Salgado, do Engenho das Mercês. “Aqui, mesmo no tempo da cana, ninguém apanhava para trabalhar a pulso, feito escravo”, rememora o aposentado, que aguarda indenização para deixar o local onde vive há 55 anos. “Graças a Miguel Arraes”, reforça.

Seu Zuza, como é conhecido, hoje vê no horizonte chaminés, torres e tubulações que expelem fumaça 24 horas por dia. E no quintal, uma tubulação com rachadura que expele “uma catinga danada” todas as manhãs e causa tosses na neta de 10 anos. A Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) informou que o mau cheiro foi provocado por um vazamento da tubulação de uma empresa “sem nenhuma relação” com a refinaria. “Os técnicos estão aguardando análises do local para que sejam definidas as ações mitigadoras.”

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Desânimo. Sr. Zuza só vê no horizonte chaminés, torres e tubulações Foto: Wilton Jr./Estadão

“Um pé de pimenta que eu tenha aqui, eles têm de indenizar. Fico triste de sair. Não sei o preço da banana na feira, da macaxeira, tudo planto aqui. Como vou morar na rua, parede com parede, com vizinho que não gosta de você e a malandragem toda?”, questiona Zuza. “Meu prazer é colocar uma rede numa sombra dessas sem ninguém me aperrear.”

A comunidade abriga outras 80 famílias, que resistem às remoções promovidas pela administração do complexo industrial de Suape. As casas já foram medidas, mas ninguém ainda foi procurado para negociar valores, contam. Os moradores temem os valores pagos a vizinhos, em torno de R$ 27 mil por hectare.

Para Severino de Oliveira, o valor não é suficiente para acompanhar a inflação de Ipojuca. O aluguel de um apartamento de dois quartos não sai por menos de R$ 1.500, mesmo com as demissões em massa e as inúmeras placas de imóveis vazios. Ele é dono de um restaurante e emprega 12 pessoas. Já chegou a vender 500 refeições por dia no “pico da obra”, em 2009, mas hoje são apenas 100 pratos de carne do sol ou costela no bafo, as especialidades.

“Um terreno você não consegue comprar, mas no seu sítio você não consegue colocar uma madeira na cerca que já chegam os seguranças para ameaçar. Tem que sair, não tem jeito”, conta. Ele avalia que as indústrias trouxeram emprego à juventude da região. “Mas em dez anos não houve qualificação. Não tem um colégio decente aqui, e os melhores empregos ficam para quem vem de fora.”

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Os moradores reclamam do inchaço da população sem melhoria de serviços - a taxa de crescimento anual de Ipojuca, na última década, foi três vezes maior que a média brasileira. Coleta de lixo e transportes são alvos de reclamações constantes, além da violência.

“Aqui aconteceu muita coisa, muita briga, violência. Morreu gente que ninguém sabe por quê. Eu mesmo se tivesse visto, também não saberia”, ironiza Marlom Pedrosa, de 59 anos. Ele trabalha há 18 anos na região e mora em Cabo, onde os preços são mais em conta. “Vivemos em cima de uma bomba, e não falo só da tubulação.”

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