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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Fator surpresa

A inflação está surpreendendo positivamente até mesmo o Banco Central, que não esperava tanta queda

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Atualização:

Quando os calos não doem, ninguém se lembra dos dedos dos pés. Na economia também é assim. Quando os grandes temas se normalizam e se tornam previsíveis, deixam de ser notícia. É o que está acontecendo com a inflação, assunto que perdeu ibope.

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Está tão mirrada e tão menos nociva que ninguém mais se queixa da alta de preços e do estrago que durante tantos anos provocou no orçamento doméstico. Para não perder o hábito de malhar os remarcadores de preços, ainda há quem critique o novo comportamento da inflação, como sendo resultado exclusivo de coisas ruins, da recessão e do mergulho da demanda e tal.

A inflação está surpreendendo positivamente até mesmo o Banco Central. Nesta quinta-feira, saiu o Relatório Trimestral de Inflação que é um dos documentos oficiais em que o Banco Central bate no seu bumbo e procura controlar as expectativas. Neste Relatório, a tabela denominada “Surpresa Inflacionária” mostra a diferença entre a inflação projetada e a inflação real (Veja a tabela).

Crescimento bem menor da inflação (e até mesmo deflação agora) não estava na mira do BC Foto:

Já ficou bem mais provável que, neste ano, a inflação fique em torno dos 3%. Neste mês de junho, por exemplo, a previsão, agora oficial, é de que seja negativa, ou seja, de menos 0,31%, como admite o Relatório. É mais baixa do que vêm ditando as projeções do mercado, tal como aferidas pela Pesquisa Focus.

A crise da política e da economia é tão profunda que as pessoas deixam até mesmo de olhar para o copo meio cheio e ficam com o meio vazio. E a inflação é um desses fatores. Depois de muitos anos, a inflação do Brasil começa a ganhar contornos de primeiro mundo. Nos Estados Unidos, oscila entre 1,5% e 2,0% em 12 meses e na União Europeia, em torno do 1,4%.

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Mais importante do que a inflação bem mais baixa é a sua boa consistência. Nesta fase, a desaceleração não se concentra em meia dúzia de itens da cesta de consumo. Está bem mais espalhada e atinge setores mais refratários à política de juros, que são os serviços e o custo da habitação.

Dois exemplos deixam isso mais claro. Os preços dos estacionamentos nas grandes cidades estão cedendo, um pouco pelo efeito Uber, que está levando muita gente a deixar o carro na garagem, e outro pouco porque estacionar ficou caro demais, quando comparado com os outros preços. E há os aluguéis: os proprietários estão bem mais propensos a negociar com os inquilinos descontos nos contratos.

A principal consequência positiva dessa inflação mais baixa é a redução do desgaste do poder aquisitivo da população. É outro fator menos comemorado, mas que tem forte impacto macroeconômico, porque torna tudo mais previsível.

A outra consequência positiva é a trajetória de queda dos juros. Na última reunião do Copom, o Banco Central sugeriu que, na reunião do dia 26 de julho, o corte já não seria de 1 ponto porcentual, mas de 0,75 ponto. Mas essa inflação bem mais baixa parece recomendar tesourada maior. O Banco Central não chega a se comprometer com corte mais profundo. Mantém aberta possibilidade de ficar no 0,75 ponto, mas abandonou a ênfase de antes.

O grande fator de incerteza está mesmo no campo político e este pode sabotar as reformas, como o Banco Central deixa claro no documento. Se isso se confirmar, a economia azedará ainda mais.

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CONFIRA

A variação da produção dos itens agrícolas mostra como o impacto é grande no PIB Foto:

» O peso do agro

Em box, o ‘Relatório de Inflação’ aponta o impacto dos principais produtos agrícolas no PIB total do primeiro trimestre deste ano, como mostra a tabela acima. O setor agropecuário cresceu 13,4% no primeiro trimestre. Neste, a agricultura propriamente dita, pesa 63,7%. Pecuária, (26,9%), e os demais subsetores de produção florestal, pesca e aquicultura, (9,4%). Em todo o ano de 2017, o produto agrícola com maior crescimento foi o milho (+52,3%) seguido do fumo (+29,3%), soja (+18,5%) e arroz (+14,7%).

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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