Pela primeira vez, desde o início da crise financeira mundial em 2008, os indicadores econômicos dos Estados Unidos e os discursos de diretores do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, vão ter influência "esmagadora" para definir a cotação do dólar ante o real no curto prazo, dizem especialistas. Nesse ambiente, as medidas adotadas pelo governo Dilma Rousseff para evitar uma desvalorização desordenada do real, como a retirada do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) dos investimentos estrangeiros de renda fixa, vão ter pouco impacto sobre o nível do câmbio no Brasil.Na manhã de sexta-feira, por exemplo, o dólar atingiu a cotação máxima do dia, de R$ 2,152, apenas 30 minutos depois da divulgação dos dados do mercado de trabalho americano mostrando a criação de 175 mil empregos em maio, acima da previsão dos analistas de 169 mil vagas, embora a taxa de desemprego tenha subido levemente para 7,6%.O dólar rompeu a primeira barreira psicológica, de R$ 2,05, no dia 22 de maio, após depoimento de Ben Bernanke, presidente do Fed, ao Congresso americano, quando disse que o Fed pode começar a reduzir as suas compras de ativos nos próximos meses, se os indicadores mostrarem uma aceleração da economia. Em seguida, a ata da última reunião do Fed indicou que alguns de seus diretores estariam dispostos a reduzir os estímulos monetários já na reunião de junho.Por outro lado, no dia 31 de maio, primeira sessão de negócios após o Banco Central acelerar a alta da taxa Selic para 0,5 ponto porcentual, o que historicamente contribuiria para valorizar o real, o BC teve de intervir no mercado de câmbio, vendendo dólares para segurar a cotação, que atingiu naquela manhã R$ 2,146, com alta de 1,71% sobre a véspera. Também na manhã de 5 de junho, após o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter anunciado na noite anterior a redução de 6% para zero do IOF na renda fixa, o BC teve de intervir para segurar de novo o dólar, que bateu R$ 2,15. Ou seja, medidas que normalmente colocariam pressão de baixa na cotação do dólar tornaram-se ineficazes diante dos fatores externos. "A retirada do IOF sobre investimentos estrangeiros de renda fixa realmente não tem muita relevância no ambiente atual do mercado como teria no passado, quando o capital estava fluindo mais livremente no mundo", diz o estrategista sênior para mercados emergentes do banco francês Société Générale, Eamon Aghdasi. "O ambiente macroeconômico global é agora uma força tão maior do que os fundamentos locais, que realmente esmagam até uma medida antes significativa para os investidores como a redução para zero do IOF."Estímulos. Por enquanto, o Fed ainda não bateu o martelo sobre quando poderá começar a reduzir o volume de US$ 85 bilhões em compras de ativos, uma forma de injetar dinheiro na economia americana e estimular o crédito. Muitos analistas acreditam que ao longo das próximas três reuniões do seu comitê de política monetária - marcadas para 18 e 19 de junho, 30 e 31 de julho e 17 e 18 de setembro - o Fed deverá detalhar quando e como os estímulos serão reduzidos.Todavia, com a recuperação em curso da economia, o debate sobre a retirada dos estímulos já começou, levando a uma alta nas taxas de juros de mercado nos Estados Unidos, o que, por tabela, torna a aplicação em dólares mais atraente do que em outras moedas. E, assim que a taxa de desemprego cair para 6,5%, o Fed já disse que elevará os juros básicos, hoje entre zero e 0,25%. Mas, até lá, os investidores estão antecipando esse processo, fazendo um ajuste nos juros de mercado com o impacto já sendo sentido nos mercados globais de câmbio. "O Fed não vai iniciar a redução dos estímulos até setembro, e sim mais para o fim do ano ou em princípio de 2014", afirma Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central e agora sócio do fundo EMval Partners (Tandem Global Partners). "Entretanto, é óbvio que a percepção de risco dos mercados emergentes, e do Brasil em particular, já mudou. O ajuste vai ser grande e é inevitável, com consequências sobre os países mais vulneráveis e/ou expostos."Os juros pagos pelos títulos do Tesouro americano com vencimento em dez anos subiram 23% no acumulado deste ano. Esse papel fechou 2012 pagando uma taxa de 1,759%. Na sexta-feira, a taxa estava em 2,158%. E, se o Fed vier, de fato, a retirar os estímulos monetários, há quem espere que os juros do papel de dez anos possam superar 3% até o fim deste ano. "Nos primeiros meses deste ano, muito dinheiro migrou para títulos de dívida de mercados emergentes, especialmente com a miragem de excesso de liquidez após o estímulo monetário mais agressivo adotado pelo Japão", explica Chris Turner, estrategista-chefe de câmbio do banco ING em Londres. Para ele, com a volatilidade gerada pela expectativa de normalização das condições monetárias nos EUA, todas as moedas emergentes devem sofrer, junto com o fluxo de capital. "Apenas quando a poeira baixar, nesse período de ajuste ao que o Fed pretende fazer, o que só deve acontecer mais para o fim do ano, é que os investidores vão voltar a prestar atenção aos fundamentos domésticos de cada país emergente." Muitos analistas estão revendo neste momento suas projeções em relação à taxa de câmbio de vários países, incluindo o real, porém sem grandes convicções, uma vez que ninguém ousa prever a magnitude do ajuste nas cotações das moedas e dos juros quando a retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos se materializar. Até lá, cada indicador de atividade da economia americana terá um peso maior sobre o real e outros ativos no Brasil. Novas medidas para facilitar a entrada de capital, como a eliminação do IOF ainda remanescente sobre operações com derivativos cambiais quando a posição vendida líquida exceder US$ 10 milhões, podem conseguir suavizar a tendência de valorização do dólar. "O ponto é que a história de como os investidores vão finalmente interpretar a mudança recente do IOF permanecerá para ser escrita em boa parte até que os mercados decidam em que tipo de ambiente verdadeiramente estamos vivendo", diz Eamon Aghdasi, do Société Générale.