Fed eleva taxa de juros dos EUA em 0,75 ponto, maior aumento desde 94

Banco central dos Estados Unidos decidiu aumentar a taxa de juros para o maior patamar desde o início da pandemia para conter a inflação

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Por Gabriel Caldeira, André Marinho, Mateus Fagundes, Aline Bronzati e Letícia Simionato
6 min de leitura

Pressionado por causa da inflação acelerada nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decidiu elevar a taxa básica de juros do país em 0,75 ponto porcentual nesta quarta-feira, 15, em sua reunião de política monetária. 

Com o aumento, a taxa básica de juros americana subiu para a faixa entre 1,5% e 1,75% ao ano, a mais elevada desde março de 2020, no início da pandemia, quando estava entre 1% e 1,25%. 

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Foi o terceiro aumento consecutivo da taxa de juros nos Estados Unidos e a maior em quase três décadas. A última vez em que o Fed elevou os juros básicos dos Estados Unidos, os chamados Fed Funds, em 0,75 ponto foi em 1994, quando a autoridade monetária tentava impedir um repique nos índices inflacionários do país.

O Fed sinalizava que faria um aperto monetário gradual com aumentos de 0,5 ponto porcentual a cada reunião para controlar a inflação galopante que vem afetando a economia americana. Mas persistência da alta dos preços fez com que o banco central americano tomasse uma medida mais dura na reunião desta quarta. 

Jerome Powell, presidente do Fed; desafio de controlar a maior inflação em 40 anos Foto: Alex Brandon/AP - 04/05/2022

Até a semana passada, um aumento dessa magnitude era visto como pouco provável pelo mercado. Porém, a divulgação de novos dados sobre a inflação nos Estados Unidos na sexta-feira passada mudaram essa visão. Em maio, o índice de preços ao consumidor nos Estados Unidos (CPI, na sigla em inglês) chegou a 8,6% em 12 meses, o maior nível em 40 anos. Apenas no mês de maio, a alta foi de 1% sobre abril.  Agora, o cenário exige um aperto maior, colocando o BC americano em uma sinuca de bico: ou controla a inflação ou leva a maior economia do mundo para um pouso suave da atividade econômica.

Em entrevista coletiva, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, reconheceu que o consenso apontava para uma alta de 0,5 ponto porcentual nos juros no encontro desta quarta-feira, mas a leitura de inflação ao consumidor forçou a autoridade monetária a decidir por um ajuste mais agressivo. Powell reforçou a necessidade de novos aumentos nos juros para trazer a inflação para a meta de 2% e afirmou que o ritmo de aumentos continuará a depender dos indicadores econômicos e da evolução das perspectivas para a economia dos Estados Unidos. Ele classificou a alta de 0,75 ponto como "incomumente alta" e que não espera que essa intensidade "se torne comum". 

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"Claramente, o aumento de 75 pontos-base (0,75 ponto percentual) é incomumente alto e não espero que movimentos desse tamanho sejam comuns na perspectiva de hoje", afirmou Powell. "Um aumento de 50 pontos base (0,5 ponto pocentual) ou 75 pontos-base parece mais provável em nossa próxima reunião", acrescentou, explicando que há um consenso de que um aumento de 0,5 ponto deve ser considerado nas próximas reuniões.  A decisão de hoje de elevar a taxa em 0,75 ponto não foi unânime entre os diretores do Fed. A presidente da distrital de Kansas City, Esther George, votou por um aumento de 0,5 ponto.

O comentário do presidente do Fed sobre a possibilidade de elevar os juros em ritmo mais brando na reunião de julho deu força às bolsas de Nova York e agradou ao mercado, que temia a sinalização de um aperto ainda maior nos juros à frente. O índice Dow Jones fechou com ganhos de 1%, o S&P 500 teve alta de 1,46% e o Nasdaq subiu 2,50%. No Brasil, o Ibovespa fechou em alta de 0,73%, a 102.806,82 pontos, depois de oito pregões seguidos de perdas.

Desafio de controlar a inflação

De acordo com Powell, os caminhos para trazer a inflação para o patamar dos 2% se tornaram "muito mais desafiadores" devido a fatores que não estão sob o controle do Fed, referindo-se aos impactos da guerra na Ucrânia. Powell disse ainda que flutuações nos preços de commodities poderiam impedir o pouso suave na economia dos EUA.

O presidente do Fed afirmou que a política monetária dos EUA terá de ficar restritiva em meio ao cenário de elevada inflação -- o que indica que a taxa de juros deve subir para um nível que desacelera a economia --, mas que o Fed não está tentando provocar uma recessão na maior economia do mundo. Powell disse, porém, que há incertezas sobre quão restritiva a taxa de juros deve ser. Ele estima que a taxa neutra - aquela que nem estimula nem pressiona a economia - esteja em algum ponto entre 2% e 3%.

Dentre os 18 diretores do Federal Reserve (Fed) que participaram da reunião de política monetária, 13 acreditam que a taxa básica de juros nos EUA estará entre 3% e 3,5% até o fim de 2022, com oito dirigentes prevendo juro na faixa entre 3,25% e 3,5%, enquanto outros cinco projetam que a taxa dos Fed funds estará no patamar de 3% e 3,25%. Na reunião de março, a última em que o Fed atualizou suas projeções, apenas um dirigente esperava juro de 3% ou mais, e a maioria previa algo em torno de 2% a 2,75% como apropriado. 

Para 2023, sete dirigentes esperam que os juros estejam entre 3,5% e 3,75%, quatro preveem taxa básica de 3,75% a 4% e outros quatro enxergam o patamar de 4% a 4,25% como adequado. Apenas um dirigente prevê juro entre 2,75% e 3%, mais um espera algo na faixa de 3,255 e 3,50%, e outro membro do Fomc vê juro de 4,25% a 4,5% até o fim do ano que vem.

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O comunicado do Fed divulgado nesta quarta aponta que novos aumentos na taxas de juros serão apropriados. "A inflação permanece elevada, refletindo desequilíbrios de oferta e demanda relacionados à pandemia, preços mais altos de energia e pressões mais amplas sobre os preços", diz o comunicado. "A invasão da Ucrânia pela Rússia e os eventos relacionados estão criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e estão pesando sobre a atividade econômica global. O Comitê está altamente atento aos riscos inflacionários", completou.

Diante desse cenário, o Fed assegura que continuará monitorando as implicações das informações recebidas para as perspectivas econômicas. "O Comitê estaria preparado para ajustar a orientação da política monetária conforme apropriado caso surjam riscos que possam impedir a consecução dos objetivos do Comitê", destacou.

Os dirigentes do Federal Reserve ainda alteraram as projeções para o crescimento dos Estados Unidos nos próximos anos, na comparação com as estimativas divulgadas em março. Para 2022, a mediana das estimativas de crescimento da economia americana caiu de 2,8% em março para 1,7% agora. Para 2023, a projeção foi de 2,2% a 1,7%. E para 2024, de 2,0% a 1,9%.

As medianas das projeções para a taxa de desemprego dos Estados Unidos subiram na comparação com a previsão de março. Para 2022, a projeção da taxa de desemprego foi de 3,5% para 3,7%. Para 2023, saiu de 3,5% para 3,9%.

Efeitos para o Brasil

Segundo o analista principal da agência de classificação de risco S&P, Manuel Orozco, o maior aperto monetário nos Estados Unidos pode ter efeitos negativos para os países emergentes como o Brasil e atrapalhar o potencial de crescimento brasileiro à frente. "O Fed  está começando um ciclo ainda mais restritivo. Isto resulta em cenário também um pouco mais restritivo, sobretudo em termos de liquidez, que terminará  atrapalhando um potencial de crescimento (do Brasil) para frente", afirmou ele em entrevista ao Estadão/Broadcast.  

Por outro lado, Orozco ressalta que, como boa parte da inflação vista hoje no Brasil é importada, se os Estados Unidos e a zona do euro conseguirem controlar seus níveis de preços, isso pode ser positivo para o controle da inflação aqui. "Tem uma conjuntura de bastante pressão e volatilidade, então (o controle da inflação externa) deveria contribuir para um cenário mais estável em termos de inflação global."

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Orozco destacou o efeito positivo da política monetária brasileira no controle dos preços. Segundo ele, a  S&P trabalha com uma inflação ainda alta esse ano, mas em desaceleração. A previsão é de que 2022 termine com IPCA em 8%. Para 2023, o cenário é de 4,1%. "Estamos vendo um mecanismo de política monetária bem forte no Brasil e estamos vendo queda. A inflação vai se manter alta, mas dá para falar em queda nos níveis de inflação em 2023", afirmou.

Outras medidas

Além do aumento da taxa básica de juros, o Fed também decidiu elevar a taxa de juros paga sobre saldo de reserva para 1,65%, decisão que entra em vigor a partir de amanhã, e a taxa de desconto e 0,75 ponto, de 1% para 1,75%. 

O Federal Reserve ainda reafirmou o plano de diminuir o balanço de ativos da entidade conforme os termos definidos na reunião de maio. No comunicado, o Fed explicou que reduzirá suas participações nos títulos do Tesouro americano (as treasuries) e em títulos lastreados em hipoteca (MBS, na sigla em inglês).

Segundo o plano, iniciado em 1° de junho, o Fed reduz as compras de MBS em US$ 17,5 bilhões ao mês e as de treasuries em US$ 30 bilhões, em um total de US$ 47,5 bilhões, durante os três primeiros meses. Depois disso, a redução será de US$ 60 bilhões por mês para Treasuries e US$ 35 bilhões para MBS, em um total de US$ 95 bilhões.  / COLABOROU BÁRBARA NASCIMENTO

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