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Fiesp inicia projeto-piloto para incentivar a reciclagem veicular

Programa reúne organizações e empresas privadas que reaproveitam componentes de veículos; ideia é reciclar 500 carros por mês a partir do início de 2021

Por Marina Aragão
Atualização:

Sucata e ferro-velho são expressões que têm perdido a força quando pensamos nos veículos em fim de vida útil. A tomada de consciência sobre o meio ambiente fez com que um tema entrasse na pauta de setores do ramo: a reciclagem veicular. De acordo com o estudo Brasil pós-Covid-19, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a criação de uma indústria como essa poderia auxiliar na recuperação da economia nacional. A estimativa é de que existe potencial para o Brasil começar a movimentar US$ 7,5 bilhões em até dois anos com o aproveitamento de peças de veículos antigos.

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Pensando nisso, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) reuniu, em um evento nesta quarta-feira, 9, organizações privadas que utilizam peças e componentes de veículos nos seus processos para apresentar um projeto-piloto de reciclagem. A princípio, o programa pretende reciclar cerca de 500 carros por mês já a partir de janeiro ou fevereiro do próximo ano. Os componentes serão desmembrados e cada organização será responsável por dar um destino útil para eles. O presidente do Conselho Superior do Meio Ambiente da Fiesp, Eduardo San Martin, explicou que as organizações escolhidas já têm um trabalho na reciclagem veicular. A ideia, agora, é “juntar tudo”.

Os materiais serão retirados de um único lugar: os veículos que a siderúrgica Gerdau já adquire nos leilões do Departamento de Trânsito de São Paulo (Detran-SP). De acordo com a companhia, que utiliza o metal das carcaças para produção de aço, "os custos são divididos [entre as organizações] conforme os materiais a ser reciclados". Em paralelo, a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) vai cuidar dos pneus velhos; as baterias automotivas ficarão sob cuidados do Instituto Brasileiro de Energia Reciclável (Iber); sobre os óleos lubrificantes, o Sindicato Nacional da Indústria do Rerrefino de Óleos Minerais (Sindirrefino) congrega operadores credenciados para recuperação dos materiais usados; por fim, o Grupo Solví fará a reciclagem dos catalisadores.

A princípio, os materiais serão retirados dos veículos que a siderúrgica Gerdau já adquire nos leilões do Detran-SP. Foto: Divulgação/Gerdau

A gestora de Contas da Gerdau, Graziela Grando, explicou que a companhia já tem um programa de reciclagem da carcaça de veículos, reaproveitando 11 milhões de toneladas de sucata ferrosa anualmente. O processo é dividido em quatro etapas: a separação dos materiais - e destinação dos outros componentes para as entidades parceiras -; o empacotamento; a trituração, com utilização de um equipamento chamado de Shredder, capaz de processar 220 carros por hora; e, por fim, a industrialização

Na última, o material reutilizado abastece os fornos da indústria, juntamente com outros insumos, para produzir o aço. “Finalizando o ciclo, temos a nossa linha de produtos, que atende os mercados da construção civil, agropecuária e também o setor automotivo”, disse Graziela. Na oportunidade, a empresa ressaltou que irá “avaliar individualmente cada oportunidade, assegurando todas as garantias ambientais e de compliance”. “Cada organização será responsável pela reciclagem de seus materiais específicos, buscando a garantia de 100% dos materiais presentes no veículo sucateado”, acrescentou o gerente de Metálicos, Leonardo Fernandes.

O Iber, um dos parceiros no projeto, por exemplo, vai atuar na interlocução com diversas empresas para apoiar a gestão da logística reversa nas baterias automotivas. O processo tem início com a participação dos consumidores, por meio da entrega das baterias sem uso em pontos de entrega. Os comerciantes varejistas as recebem e armazenam. Os distribuidores, fabricantes e importadores efetuam a coleta periódica das baterias, atestando o recebimento por meio de comprovantes, e transportam os produtos até o local onde serão reciclados.

“O Iber decidiu participar desse trabalho pois parte de sua responsabilidade consiste na rastreabilidade e garantia de movimentação e destinação ambientalmente adequada das baterias”, disse a diretora-executiva do instituto, Amanda Schneider. O chumbo de uma bateria velha pode ser reutilizado na confecção de uma nova.

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O presidente do Conselho Superior do Meio Ambiente da Fiesp acrescentou que o projeto pretende ampliar consideravelmente o contingente de veículos reciclados, focando, principalmente, naqueles que estão parados nos pátios do Detran. E reforçou que a proposta está em aberto porque alguns componentes ainda não foram contemplados. De acordo com ele, a Fiesp está em busca de setores que possam reciclar materiais como vidros, couros, plásticos e extintores de incêndio, por exemplo. De acordo com ele, 95% dos componentes veiculares podem ser reaproveitados, e a meta é essa.

Justificativas da reciclagem veicular

Com mais de 58 milhões de carros em circulação no País e uma idade média de 15,2 anos, de acordo com o Anuário 2019 da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), a iniciativa vem como uma tentativa de solução para prolongar a vida útil desses recursos não renováveis. Eduardo San Martin, da Fiesp, cita benefícios como a redução da poluição atmosférica, diminuição dos acidentes de trânsitogeração de empregos.

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Para ilustrar, automóveis antigos - aqueles com 18 anos já começam a ser reciclados na Europa - e em más condições de uso contribuem para acidentes, que geram cerca de 40 mil óbitos e custam aproximadamente R$ 200 bilhões/ano ao Brasil, de acordo com o Ipea. Além disso, estima-se que, apenas no Estado de São Paulo, 15 mil pessoas morram por ano devido à poluição atmosférica - e o maior vilão para a má qualidade do ar são esses veículos que emitem gases altamente tóxicos.

Além disso, carros abandonados nas ruas acabam se transformando em espaços de transmissão de mosquitos como o Aedes aegypti, vetor da dengue, zika e chikungunya. Outros permanecem em pátios dos Detrans, espaços alugados que requerem manutenção, o que significa mais gastos para os cofres públicos.

Pátio com veículos apreendidos em São Paulo: segundo a Fiesp, 95% dos componentes veiculares podem ser reaproveitados. Foto: Rafael Arbex/Estadão - 10/8/2018

Eduardo San Martin explicou que, com a reciclagem veicular, tudo isso será reduzido. E acrescentou a possibilidade de ampliação do número de empregos tanto nas organizações que fazem parte do processo de reciclagem veicular quanto nas de produção automotiva, voltadas, principalmente, para a confecção de carros novos. “Temos aí um potencial fantástico.”

‘Motivação social’

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Antes de propor a iniciativa, San Martin explicou que visitou países da Europa, como Holanda, Alemanha e Bélgica, que já têm um sistema de reciclagem veicular consolidado. Com um imposto que aumenta à medida que o carro envelhece, os moradores desses países se sentem obrigados a dispensar seus carros para o reaproveitamento, já que o custo-benefício deixa de ser viável.

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“Aqui nós não consideramos a hipótese de punir. A nossa ideia é que as pessoas sejam incentivadas a encaminhar o seu carro para a reciclagem”, disse. De acordo com ele, isso se daria se houvesse “uma eliminação total ou redução significativa dos impostos incidentes nos carros 0 km”. Nesse caso, o carro velho seria parte do pagamento e o novo sairia por um preço bem menor.

Utilizando as justificativas sobre gastos e prejuízos provocados pelos veículos antigos na saúde e no trânsito, o executivo informou que a Fiesp tentou diálogo com o setor público, nas esferas municipal, estadual e federal, ao longo de quase um ano, mas não obteve retorno. A intenção da federação com o projeto, explicou, é “mostrar para a sociedade que é possível fazer reciclagem de veículos. Há uma possibilidade de que, com as pessoas informadas, haja pressão sobre os setores públicos”.