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Fim do pânico - nova bolha?

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

O pânico causado pelo desastre financeiro dos últimos dois anos chegou ao fim. E isso já é uma boa razão para que os gestores financeiros mudem de tática: em vez de fugir dos candidatos a cadáver, passam a farejar os sobreviventes. Na primeira tática de ação, erros significavam ser tragados pelo vórtice financeiro. O risco da segunda é perder a oportunidade de voltar rápido à normalidade. Neurocientistas nos revelam que o cérebro humano obedece a protocolos diferentes quando se trata de sobreviver a um choque ou de operar num ambiente "normal". No primeiro caso, as emoções, que são processadas pela amídala, prevalecem sobre a racionalidade, que envolve circuitos do córtex cerebral organizados para o entendimento e podem ser excessivamente lentos para o tipo de resposta exigida pelas emergências. No segundo caso, as peculiaridades e as sofisticações do raciocínio humano prevalecem, e a memória das experiências perigosas anteriores é parte dos dados que são processados nos processos decisórios. Há uma nova fase em curso nesta grande recessão. A velocidade da recuperação de preços em vários ativos de risco (ações, títulos de dívida de empresas e de países) tem provocado euforia em alguns mercados. Ganhos de capital motivam traders rápidos. Não faltam instrumentos que exacerbam os efeitos dos humores e permitem que preços se distanciem crescentemente de valores sustentáveis. O problema não é a euforia, mas o processo irracional que conquista adeptos e aumenta a letalidade quando bolhas explodem. A possibilidade de parada súbita é preocupante. E agora, além dos traders treinados para emergências, os investidores, de reações mais lentas, ainda estão marcados pela intensidade das perdas, pela sua fragilidade diante da vigarice, que é legal para os gestores do patrimônio alheio, e pela complexidade do colapso financeiro nos últimos dois anos. O estrago feito pela crise ainda não acabou, apesar de a senha "fundo do poço" ter efeito irresistível. O sistema de intermediação financeira, os orçamentos das famílias nos países mais atingidos e os balanços das empresas não financeiras ainda sofrerão, provavelmente por mais dois anos, as consequências da crise: reorganização da produção industrial no mundo, novos regimes regulatórios e deterioração das finanças públicas provocada pelo socorro aos bancos. Em termos práticos, a produção industrial do mundo ainda está muito baixa, os ativos dos bancos nos EUA e na Europa ainda apresentarão perdas não cobertas pelos aumentos de capital (o que significa que precisam de mais ajuda dos bancos centrais e darão menos crédito), os consumidores americanos estão endividados e as famílias perdem renda. Mas os bancos em vários países, confiantes na ação salvadora do governo, não produzem crédito, mas transformam otimismo difuso em excesso de apetite para risco que não sabem avaliar. Nesse quadro, uma surpresa negativa pode provocar nova onda de perda de riqueza financeira com os ingredientes de mais um fim de bolha. O que pode tornar prematuro o diagnóstico de que o fim do pânico significa a volta ao "normal" e às práticas anteriores à crise? Uma nova onda de prejuízos bancários, pela deterioração dos consumidores americanos, encontrará políticos menos dispostos a dar dinheiro público para salvar especuladores. Decepções com os esforços de coordenação internacional e com a capacidade de a China sustentar a recuperação do comércio podem provocar reversão de humores. No Brasil, o fundamento do otimismo são os preços das commodities. Mas o nível de atividade é sustentado por gastos públicos irreversíveis, transferências e renúncia de impostos, ou seja, deterioração fiscal. Inflação baixa e ociosidade da indústria dão espaço para queda de juros. No bom cenário, há espaço para aguentar o mesmo regime até 2011. Mas uma mudança rápida no mundo encontrará um ambiente político sensível a surpresas negativas. A um ano das eleições, ninguém se mostra disposto a evitar a explosão da despesa pública, pois não é atraente do ponto de vista eleitoral. Por isso a saída mais provável é uma desconstrução da imagem do governo, facilitada pelos escândalos em torno da manutenção dos aliados e pelo escancaramento dos descalabros pela imprensa. Não é difícil desconfiar de que o Brasil de 2010 já não esteja tão resistente a um novo choque externo quanto esteve o Brasil de 2008. *Dionísio Dias Carneiro, economista, é diretor da Galanto Consultoria e do IEPE/CdG Correção: No artigo de Rolf Kuntz publicado na edição de ontem há uma referência a "sete anos e meio" do presidente Lula no poder. Ele está no seu sétimo ano de governo. Nenhuma outra afirmação do artigo é afetada por esse lapso.

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