Amizade é tudo neste mundo. Pergunte a Dirceu Antônio de Oliveira Júnior. No seu atribulado dia-a-dia de fornecedor de combustíveis, ele tem podido contar com o apoio dos amigos. Pelo menos é o que sugerem gravações de suas conversas, em julho do ano passado, com seu parceiro dileto, Paulo Bandeira. Marido de Cláudia Maia Bandeira, número 2 da Superintendência de Abastecimento da Agência Nacional do Petróleo (ANP), e amigo íntimo de César Ramos Filho, coordenador de Fiscalização do órgão, o interlocutor de Dirceu não mede esforços para estender a mão ao amigo. Preocupado com a imagem de uma das empresas de Dirceu, Bandeira lhe telefona para orientá-lo sobre como evitar problemas. O caso é que estão chegando à ANP listas de postos autuados que informaram aos fiscais de qualidade terem comprado o combustível da distribuidora Granel. "Você tem que avisar pros caras para quem você fornece que pra universitário, não tem que dar nota fiscal, se não eles fodem a Granel", ensina Bandeira, no seu estilo desabrido. Dirceu figurou como dono da Granel até setembro de 2001. Na época das gravações, a distribuidora estava registrada em nome de Christian Francis Barnier e de Dulcinéia Lúcia Luppi Barnier - que ostenta o mesmo sobrenome da mulher de Dirceu, Roxane Arleze Luppi de Oliveira. Em setembro, no auge da CPI dos Combustíveis, para a qual Dirceu foi convocado a depor, a Granel foi transferida para Maviel Lopes Ferreira, que entrou na sociedade com R$ 1 de capital, e uma certa Wood Ford International S/A, que participa com os outros R$ 999.999. O arranjo se repete na Fórmula Brasil Petróleo. Em 30 de dezembro, Dirceu tirou seu nome do cadastro. Entraram a Sparty S/A, de endereço não informado, com capital de R$ 1.029.999, e Nilo Beloni Júnior, que assina pela empresa, com R$ 1 de participação. O interesse de Dirceu desmente seu desligamento formal: "Tá, e o que você pode fazer pra segurar isso aí?", pergunta o empresário. Bandeira, com notável autoconfiança, retorque: "Pra segurar, não tem problema nenhum." Dirceu, no entanto, não está satisfeito, e pleiteia uma solução definitiva para o problema: acabar com o marcador, que os fabricantes de solventes são obrigados a colocar no produto, para denunciar sua presença na gasolina adulterada. Segundo ele, o influente coordenador de Fiscalização da ANP já informou que o diretor-geral da agência, embaixador Sebastião do Rego Barros, "queria acabar com essa merda". O empresário avalia até que "o momento está bom para isso". Afinal, diz ele, basta argumentar com o "homem lá em cima" que a eliminação do marcador acarretará "economia de divisas para o País". Dirceu não entende por que deve haver algum controle: "Cada um cuida da sua casa", filosofa. Mas Dirceu vai mais longe. Sugere que o laboratório da Universidade de Campinas (Unicamp), que realiza os testes para detectar o marcador na gasolina, já teria sido domesticado. É a entrada do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, nesses testes, que o desagrada. A assistência prestada pelo coordenador de Fiscalização ao dono de distribuidoras deve ser diuturna. Dirceu combina com Bandeira o esquema de contatos telefônicos enquanto ele e César Ramos Filho estiverem passeando em Miami. Concorrência - As conversas indicam que Dirceu e seus amigos não se ocupam apenas da proteção de seus negócios contra a intromissão de fiscais, mas de investidas contra os concorrentes. Ele comenta que os fiscais estão "no vizinho", uma alusão à distribuidora Nascar. Depois da blitz, Dirceu quer ter certeza de que o concorrente não será contemplado com uma troca de amostras: "Agora, precisa tomar cuidado para não tocar na amostra, entendeu?", recomenda. "Eu vou ligar pra ele agora", obedece Bandeira, que se mostra preocupado também com a imagem do coordenador de Fiscalização: "Eu já falei pra ele, não pode ficar fazendo negócio com todo mundo." Um pouco do invejável estilo de vida do coordenador de Fiscalização, cujo nome César lhe valeu o apelido Imperador, transparece numa passagem em que Bandeira fala em alugarem uma Ferrari em Miami. "Isso, eu vou deixar pro Imperador." Educado e solícito, freqüentador das colunas sociais do Rio, ex-genro do especialista em etiqueta Ibrahim Sued, César Ramos Filho é funcionário público há muitos anos. Começou na Legião Brasileira de Assistência, extinto reduto de corrupção. Antes de assumir a coordenação de Fiscalização, foi chefe de gabinete de David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP. Antes que alguém repare na incompatibilidade entre seu estilo de vida - casa em Angra dos Reis, Audi A-6, lancha, etc. - e sua condição de servidor, costuma explicar que provém de família de posses. Com a divulgação dessas gravações pela revista IstoÉ, César Ramos e Cláudia Maia Bandeira se afastaram de seus cargos na ANP. Bandeira, por sua vez, vendeu, por R$ 330 mil, sua participação numa das maiores corretoras de valores do Rio. Depois de receber essas gravações, acompanhadas de uma carta anônima sobre as ligações entre Bandeira e Dirceu, o Ministério Público Federal pediu os registros das chamadas telefônicas da corretora e do distribuidor de combustíveis. Uma operadora de telefonia enviou a lista; a outra, não. O MPF aguarda mais subsídios para pedir quebra de sigilo, já que as gravações, da maneira como foram recebidas, não servem de prova num julgamento.