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''Flexibilização é palavrão''

Por José Pastore
Atualização:

Na primeira conversa que tive com Jaques Wagner (2003) como ministro do Trabalho, ele disse: "Neste governo, flexibilização é palavrão. Jamais será pronunciado." De lá para cá, deparei-me com a imensa "licença poética" do presidente Lula no uso de palavrões. Fiquei de olho. Mas, de fato, ele jamais usou o "abominável" vocábulo. O que se busca com a flexibilização? Muito simples: dar liberdade para empregados e empregadores buscarem as melhores soluções para seus problemas. Na rígida legislação atual, há apenas dois direitos que podem ser negociados livremente: o salário e a participação nos lucros ou resultados (PLR). Ai de quem ousar negociar outras coisas. As conseqüências são graves. Darei um exemplo no final do artigo. Neste momento em que aumentam as dispensas, a única coisa permitida é reduzir o salário (inciso VI do artigo 7º da Constituição federal). Até mesmo a suspensão do contrato de trabalho (artigo 476-A da CLT) é cercada por imposições. Para acudir o desemprego, que se aproxima, isso é muito pouco. A crise é grave. No setor da construção pesada, por exemplo, grande parte das obras atuais terminará em meados de 2009, e as empresas não estão conseguindo prospectar novos contratos. Mais: várias obras em andamento, algumas do PAC, estão sendo suspensas. Os reflexos desses fatos virão com toda a força em 2009 e 2010. Escolhi esse exemplo porque as obras de infra-estrutura têm altíssima capacidade de criar empregos diretos (na própria construção) e indiretos (para os fornecedores e para os usuários. Sim, porque, terminada uma usina elétrica, ela faz florescer um sem-número de atividades que sustentarão milhares de empregos por décadas a fio. O mesmo ocorre com rodovias, ferrovias, portos, etc. Outros setores industriais que também geram muitos empregos diretos e indiretos estão assustados com a queda abrupta da demanda, como é o caso dos minérios, metais, veículos e da construção civil. Como são setores de cadeias longas, qualquer abalo na cabeceira provoca um rebuliço ao longo do rio. É claro que legislação trabalhista alguma consegue gerar empregos e inverter um desastre dessa magnitude. Mas muitos postos de trabalho podem ser preservados se as partes tiverem liberdade para fazer ajustes com segurança jurídica. Evitar dispensa é um bom negócio para o empregado e para a empresa, que economiza verbas rescisórias e fica com colaboradores treinados. Mas a nossa lei não dá essa liberdade. Aqui vai o exemplo prometido. Em 1998, para evitar as dispensas em massa na Volkswagen, empregados e empregadores concordaram em reduzir salários. Concordaram, ainda, com a liberação de parcelas da participação nos lucros e resultados mensalmente, para atenuar a perda de salário. Foi uma negociação brilhante, liderada por dois dos melhores negociadores do Brasil: Luiz Marinho (sindicato) e Fernando Tadeu Perez (Volkswagen). Ambos sabiam que a lei da PLR só permitia distribuir parcelas semestralmente. Mas era uma emergência. A aflição das famílias angustiava a todos. As partes decidiram usar o bom senso. Deu certo. As dispensas foram contidas. Luiz Marinho declarou algo assim: "O que fizemos é para o nosso bem. Concordamos em reduzir o salário e, para ajudar os trabalhadores, acertamos o pagamento da PLR todos os meses. Nenhum de nós vai reclamar nada sobre esse acordo. E, se alguém quiser anulá-lo, terá de passar por cima de nossos cadáveres", adicionou. Foi um acordo histórico, marcado pela inteligência e pelo exercício da liberdade. Uma grande vitória para as duas partes. Passados os anos, porém, os empregados começaram a reclamar e obter sentenças favoráveis da Justiça do Trabalho, que incorporaram as parcelas mensais da PLR aos seus salários, aplicando sobre eles todos os encargos sociais, com juros, correção e multa, desde 1998 até hoje - um prejuízo monumental para a empresa e uma frustração dos negociadores. É isso que caracteriza uma legislação inflexível. Nada pode ser mudado, mesmo quando as partes querem, mesmo nas emergências. A CLT trata as partes como incapazes ou interditadas. Por isso não permite que elas negociem o que acham melhor para si. Esta é a nossa tradição: querer resolver tudo por lei, e não por negociação. Para quem acredita nesta "filosofia", de fato a flexibilização é um palavrão. *José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo Site: www.josepastore.com.br

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