PUBLICIDADE

Flores do recesso

Durante esses dias aleatórios de recesso parlamentar e judiciário, parecendo ensaios preparatórios para um ano que não começou, apenas dois assuntos ocuparam o noticiário, embora com diferentes disfarces.

Por Gustavo H. B. Franco
Atualização:

O primeiro é a maior recessão da nossa história, que vai se mostrando em diferentes indicadores, causando uma perplexidade muito disseminada, e que vai se aprofundando e metendo cada vez mais medo nas pessoas. A julgar pelos números para o PIB, o biênio 2015-2016 vai ser pior que 1930-31, período da famosa Grande Depressão, e não parece haver nenhuma dúvida que, se nada acontecer, vai piorar ainda mais em 2017 e 2018.

Nossos parlamentares certamente vão voltar do recesso de olhos arregalados.

Plenário vazio: durante o recesso parlamentar, recessão e impeachment dominam o noticiário Foto: ANTONIO CRUZ|AGÊNCIA BRASIL - 18|12|2015

PUBLICIDADE

A segunda notícia, outra que aparece por múltiplos portadores, é mais um desejo, ou uma previsão, que um fato, e sua origem é o Palácio: trata-se da avaliação, e não é mais que isso, segundo a qual o impeachment estaria afastado.

É claro que é apenas uma versão. O leitor sabe que o Petrolão alcançou o grotesco reconhecimento internacional de estar entre os piores escândalos de corrupção da história da humanidade. Como o beneficiário desse assalto perpetrado contra a Petrobrás foi o partido que ganhou as eleições, talvez apenas a nossa Velhinha de Taubaté, se estivesse viva, acreditaria que essa dinheirama não entortou os resultados das urnas.

Mesmo ela, que, segundo relata seu criador, faleceu (talvez um suicídio) em decorrência do noticiário do “Mensalão”, a essa altura, provavelmente já teria mudado de opinião, pois o seu FGTS estava todo investido em ações da Petrobrás. Nem o confisco do Collor lhe deu tanto prejuízo.

Pois bem, a presidente da República que presidiu o conselho da Petrobrás durante boa parte das atividades que compõem o Mensalão e que produziu o maior desastre econômico dos últimos 100 anos, quer ficar até o fim de seu mandato, que é tão legítimo quanto os recursos utilizados na sua campanha, incluídos os de “pedaladas”.

No balanço da Petrobrás constam exatos R$ 6.194 milhões de baixas contábeis decorrentes de propinas pagas no âmbito do Petrolão, entre 2004 e 2012, cuidadosamente calculadas a partir das revelações da Operação Lava Jato. São valores calculados pela própria empresa, reconhecidos em balanços auditados e sujeitos ao escrutínio de reguladores daqui e do exterior. É o primeiro caso de corrupção auditada na história do Brasil.

Publicidade

A matemática aqui é muito simples: um terço desse valor teria ido para o PT (cerca de R$ 2 bilhões), conforme se conclui das demonstrações financeiras da Petrobrás, e a campanha presidencial custou cerca de R$ 300 milhões.

Diante desses números todos, sobretudo os da economia, causou certo impacto a entrevista recentemente concedida por um dos mais proeminentes conselheiros da presidente, o ex-ministro Delfim Netto, segundo o qual “não tem mais impeachment” e “se ela não assumir seu protagonismo (...) vai ser uma tragédia”.

Não me parece que o conselheiro pudesse dizer nada muito diferente do combinado, ou seja, que a presidente dá conselhos a si mesma através de terceiros, uma curiosa situação que me traz à mente as que são estudadas com muita verve nessa inesperada joia intitulada Piadas do Žižek: você já ouviu aquela sobre Hegel e a negação?, o mais recente livro de Slavoj Žižek, uma estrela entre intelectuais marxistas, filósofo e teórico da psicanálise.

Nesse seu livro, ele trata de utilizar o “gênero” (piada) como estrutura ou padrão lógico, quem sabe como um bloco de equações que serve a múltiplas situações, sempre com intuito subversivo e arrasador.

A permanência de Dilma até o fim de 2018 evoca uma de suas histórias, na qual um judeu, Rabinovitch, procura emigrar do desastre econômico e político que era a União Soviética e alega ter dois bons motivos. O primeiro, diz ele, é que o comunismo vai colapsar, seus crimes serão denunciados e podem querer colocar a culpa nos judeus. Diante disso, o oficial da emigração reage com ardor:

– Mas isso não faz sentido nenhum, camarada, a União Soviética durará para sempre!

Em resposta, Rabinovitch murmura:

Publicidade

– Esse é o segundo motivo.

Mais engraçado que a piada, bem antiga e conhecida em diversas versões, são as declinações filosóficas e variações de Žižek, que vamos omitir, mas oferecer uma nova, que deriva de rumores vindos de Brasília segundo os quais um membro da atual equipe econômica, um desses que a profissão costuma colocar dentro da categoria do “pensamento mágico”, foi ao chefe da Casa Civil pedindo para deixar seu emprego, e por dois motivos. Conforme fontes, ele teria dito ao ministro:

– A presidenta insiste em seguir roteiros neoliberais para lidar com a crise, deixando para trás os nossos ideais históricos, a crise é enorme, vai piorar muito e vão culpar a nós, os heterodoxos e nossa nova matriz.

O ministro o interrompe:

– Não se preocupe, companheiro, a presidenta vai recuperar seu protagonismo, abandonar os desvios neoliberais, vai voltar às nossas ideias de sempre e cumprir seu mandato até o fim.

– Esse é o segundo motivo, responde, previsivelmente o economista.

Reparem que só um heterodoxo DOC (Denominação de Origem Controlada) poderia achar que a companheira presidente está seguindo alguma receita neoliberal. Mas o autoengano (ou a teimosia), como se sabe, é parte da tragédia da nova matriz, como da União Soviética.

Publicidade

Que tudo vai ficar como sempre foi na União Soviética, e na nova matriz, fica claro pelo fato de que Dilma Rousseff, a fim de recuperar seu “protagonismo” (e esse termo deve ter o mesmo destino de “presidenta”, tenha-se claro), resolveu fazer um pronunciamento para o chamado Conselhão. O leitor deve ter claro que não existe nenhuma inutilidade mais portentosa do que esse conselho, certa vez designado por Francisco de Oliveira como o “Camarão”, aludindo a seu caráter de câmara setorial de toda a economia.

Não vale lembrar o que foram as câmaras setoriais no passado para o leitor não perder o seu apetite, basta ter em conta que eram os ambientes de acordos onde os custos cabiam a quem não sentava na mesa. Uma fórmula fácil, enganosa e vigarista. As tentativas tupiniquins de “pacto social” tiveram essa mesma embocadura e nunca prosperaram.

O “Camarão” nasceu com essa filosofia, e ver Dilma buscar sua salvação anunciando medidas para um Camarão renovado parece uma piada do Žižek. Seria sumamente melhor para o País que ela esquecesse o seu protagonismo.