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Foco errado

O alvo das políticas públicas não deveria ser quem tem renda de R$ 4 mil, mas os trabalhadores mais pobres

Por Bernard Appy
Atualização:

Segundo notícias divulgadas nos últimos dias, o governo está avaliando ampliar o limite de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF) de R$ 1,9 mil para R$ 4 mil por mês. A perda de receita decorrente da mudança seria compensada pela incidência de Imposto de Renda na distribuição de dividendos (atualmente isentos na pessoa física). Do ponto de vista do desenho do sistema tributário brasileiro, a primeira medida está equivocada e a segunda precisa ser avaliada com cautela.

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Por um lado, o limite de isenção mensal de R$ 4 mil é absurdamente elevado num país em que pessoas desta faixa de renda estão entre os 15% mais ricos da população. Trata-se de um limite alto mesmo em comparação com países com renda muito superior à do Brasil, como são os casos da Alemanha (cujo limite anual de isenção do IRPF corresponde a R$ 2,5 mil/mês) e da França (R$ 2,8 mil/mês).

Adicionalmente, a alíquota efetiva incidente sobre uma renda mensal de R$ 4 mil no Brasil não é elevada: é de 6,6% quando considerada a retenção mensal na fonte, e cai para 3,9% se for aplicado o desconto simplificado na declaração de ajuste anual. Do ponto de vista distributivo, o foco das políticas públicas no Brasil não deveria ser as pessoas com renda mensal de R$ 4 mil, mas, sim, os trabalhadores mais pobres, cuja renda é muito inferior a esse limite.

Dividendos. Por outro lado, é preciso ter clareza sobre os efeitos da proposta de tributar a distribuição de dividendos.

Ao contrário do senso comum, o lucro das empresas (cuja distribuição é isenta na pessoa física) não corresponde apenas ao rendimento do capital aplicado no empreendimento. Parte importante do lucro distribuído no Brasil corresponde à renda do trabalho dos sócios de empresas de pequeno ou de médio portes, que estão no regime do lucro presumido ou no Simples. Essa parcela vem crescendo de forma acelerada por intermédio do processo conhecido como “pejotização”, pelo qual empregados passam a se constituir como pessoas jurídicas para pagar menos impostos.

A diferença do custo dos tributos incidentes sobre o trabalho de um empregado formal de alta renda e o sócio de uma empresa é brutal. No caso de um trabalhador que presta serviços no valor de R$ 30 mil por mês, por exemplo, os tributos incidentes sobre esse serviço serão de R$ 14,9 mil, caso ele seja empregado de uma empresa, e de R$ 5,5 mil, caso ele seja sócio de uma empresa do lucro presumido.

Neste caso, é mais do que necessário tomar medidas corretivas. A tributação dos lucros distribuídos pelas empresas do lucro presumido e do Simples (que efetivamente correspondem à renda do trabalho de seus sócios) é uma forma de corrigir, ainda que parcialmente, essa distorção.

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Entretanto, quando o lucro se refere ao rendimento do capital aplicado num empreendimento, a situação é mais complexa. Em primeiro lugar, porque a alíquota incidente sobre o lucro das grandes empresas brasileiras antes da distribuição (de 34%) já está entre as mais elevadas do mundo.

Em segundo lugar, é preciso ter cuidado com a tributação excessiva da renda do capital, porque isso pode desestimular a poupança (num país cuja taxa de poupança já é muito baixa) e desestimular investimentos estrangeiros no Brasil. Ou seja, não faz sentido propor a tributação dos dividendos das empresas do lucro real no Brasil sem que haja uma revisão mais ampla do modelo de tributação dos rendimentos do capital no País.

É verdade que há distorções que reduzem o lucro tributável e que precisam ser corrigidas, como é o caso da dedutibilidade do ágio em operações de aquisição ou fusão de empresas. Mas isso não justifica introduzir a tributação da distribuição de dividendos, mantendo a elevada incidência sobre o lucro na empresa. O risco de fazê-lo é prejudicar o crescimento econômico.

*diretor do centro de cidadania fiscal

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