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Folga em 2022 é incógnita e há desconfiança se novo teto basta ou nasce estourado

Governo fala em 'brecha' de R$ 83,6 bi no teto, mas mercado projeta R$ 90 bi; lista de gastos para 2022, porém, é longa e inclui o Auxílio Brasil, com o Congresso defendendo benefício de até R$ 600, e a ajuda aos caminhoneiros

Foto do author Adriana Fernandes
Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - Dias após a aprovação de uma mudança no teto de gastos pela comissão especial na Câmara dos Deputados, o valor exato do espaço extra que o governo terá para gastar em 2022, ano eleitoral, ainda é uma incógnita. Enquanto simulações internas do governo apontam uma folga de R$ 83,6 bilhões, no mercado as contas indicam uma diferença ainda maior, passando dos R$ 90 bilhões. Em qualquer um dos cenários, há desconfiança sobre se o valor será suficiente para acomodar toda a “lista de espera”, ou se o novo teto já nasce estourado.

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No radar de riscos está a possibilidade de o Congresso querer ampliar ainda mais o valor do Auxílio Brasil, dos R$ 400 mensais acertados pelo governo para R$ 500 ou até R$ 600. Essa ideia segue viva entre parlamentares, embora integrantes da equipe econômica vejam instrumentos para impedir a investida.

Uma possível trava seria o fato de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que vai mexer no teto já ter sido aprovada na comissão especial. No plenário, o regimento permite alterações apenas supressivas ou feitas a partir do texto original (que tratava apenas dos precatórios, como são conhecidas as dívidas judiciais da União) ou de emendas apresentadas pelos congressistas. Nenhuma proposta de mudança abordou o teto de gastos.

Congresso Nacional, em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão - 23/7/2021

Por essa lógica, a Câmara não poderia mais mexer na forma de correção do teto para ampliar o espaço de gastos em 2022. No entanto, o economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, alerta que o texto poderia ser alterado no Senado Federal. Outra possibilidade, segundo ele, é o governo furar o teto de gastos durante a execução do Orçamento, no ano que vem. “Onde está escrito que vai ser R$ 400? Não podem colocar depois R$ 500? Podem. Não tem restrição para gasto com auxílio”, afirma.

Há incertezas também quanto ao tamanho das emendas de relator, que constituem o chamado “orçamento secreto” revelado pelo Estadão e são usadas para direcionar recursos aos redutos eleitorais de congressistas aliados. No ano passado, após uma maquiagem nos gastos previdenciários, elas chegaram a ultrapassar R$ 30 bilhões, mas depois foram reduzidas a pouco mais de R$ 17 bilhões com um veto presidencial e remanejamentos negociados.

Para 2022, o Congresso já fala em R$ 16 bilhões como “piso”, e a conta a ser abocanhada já está em R$ 19 bilhões, segundo as discussões mais recentes.

A equipe econômica vê espaço para acomodar a fatura de emendas dentro das despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos. Em 2021, esses gastos estão em R$ 96 bilhões, já incluindo as emendas de relator. Para 2022, a previsão é de R$ 98 bilhões, mas apenas com gastos do Executivo, sem indicações dos congressistas. A avaliação é que é possível fazer remanejamentos para acomodar as emendas, embora técnicos reconheçam que ninguém quer “apertar o cinto”.

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“O risco é que vão acabar furando o teto, porque não vai ter shutdown (apagão da máquina pública)”, diz Barros.

Cálculos

O cálculo da folga de R$ 83,6 bilhões, revelado pelo Estadão/Broadcast, inclui a mudança na correção do teto de gastos (pela inflação do ano até dezembro, em vez do ano até junho) e o espaço aberto pelo adiamento no pagamento de parte dos precatórios (dívidas judiciais). Segundo apurou a reportagem, o governo vinha elaborando cenários com uma projeção de inflação de 8,7%. Porém, ainda não está claro de quanto é o “alívio” proporcionado por cada medida. A Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, por exemplo, estima uma folga de R$ 86,2 bilhões.

Além disso, a inflação pode acelerar até o fim do ano, o que ampliaria esse espaço. Hoje, o Boletim Focus do Banco Central mostrou que os economistas já projetam inflação próxima de 9% este ano. Com essa variação, Barros, da RPS Capital, calcula um espaço de mais de R$ 98 bilhões.

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A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima um espaço de R$ 94,9 bilhões, sendo R$ 47,5 bilhões do teto maior e R$ 47,4 bilhões da mudança no pagamento dos precatórios. "Calculamos considerando as projeções de inflação para 2021. Isso inclui o calote nos precatórios e o desmonte do teto de gastos. São gastos, não se iludam, que veem para ficar”, diz o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto.

O Estadão/Broadcast questionou o Ministério da Economia sobre as projeções. Inicialmente, a pasta disse que não se manifestaria antes do “anúncio formal da medida” – já citada publicamente em entrevista na semana passada concedida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente Jair Bolsonaro. Após insistência, a pasta respondeu que “os cálculos não estão finalizados”.

Saber quanto exatamente o governo terá para gastar em 2022 é importante para determinar se o Congresso vai acabar ou não furando o teto expandido. Isso porque o espaço mal abriu e já há uma lista grande de medidas que aguardavam espaço no Orçamento de 2022.

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Apenas as despesas adicionais com o Auxílio Brasil devem chegar a R$ 51,1 bilhões, segundo simulações internas do governo. Desse valor, R$ 12,4 bilhões seriam com o reajuste permanente de 20% dos benefícios e R$ 38,7 bilhões com o pagamento temporário para que todas as famílias recebam ao menos R$ 400.

Há ainda R$ 4 bilhões previstos para o auxílio diesel, uma ajuda mensal de R$ 400 a caminhoneiros autônomos para atenuar a alta nos preços de combustíveis até dezembro de 2022; R$ 24 bilhões em gastos com a correção maior de benefícios previdenciários devido à aceleração da inflação; e R$ 3 bilhões adicionais para compra de vacinas contra covid-19 em 2022 (que se somam aos R$ 3,9 bilhões já previstos).

No radar do mercado também estão um eventual gasto extra com a renovação da política de desoneração da folha de pagamento de empresas (R$ 6 bilhões), auxílio ao agricultor familiar (R$ 2 bilhões), projeto de lei Paulo Gustavo de incentivos ao setor cultural (R$ 4 bilhões), além do risco de aumento no fundo eleitoral e demanda por maiores investimentos públicos.

Entenda como o gasto extra com o Auxílio Brasil pode se tornar uma armadilha fiscal para o governo:

  • Teto rompido:

Para elevar o Auxílio Brasil dos atuais R$ 200, em média, para R$ 400, o governo poderia ter buscado a redução de gastos considerados desnecessários, como subsídios, emendas parlamentares ou o fundo eleitoral, turbinado nesta legislatura. Mas, sob pressão política para elevar desembolsos com vistas à eleição de 2022, preferiu mexer na regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas.

  • Gasto permanente:

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A mudança no Auxílio é temporária: vai até dezembro de 2022. Mas, para especialistas, dificilmente o próximo presidente conseguirá reduzir o valor para R$ 200 novamente, o que criaria um aumento permanente de despesas sem a contrapartida do aumento das receitas.

  • Prejuízo aos mais pobres:

Ao apontar o aumento de gastos sem ter receita para isso, o governo sinaliza um descontrole das contas que faz o dólar subir, a inflação continuar alta e os juros aumentarem, prejudicando o crescimento da economia. Com isso, acaba prejudicando mais diretamente a população mais pobre.

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