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Fome é um desafio político

Por Alberto Tamer
Atualização:

A FAO tem uma nova missão: combater a fome. Nova, sim, porque, até agora, não a cumpriu. A fome aumenta no mundo e não foi apenas pela alta dos preços, mas pela falta de coordenação, vontade política e, acima de tudo, confiança na instituição que tem um orçamento bianual de US$ 2 bilhões, mas usa 65% para pagar seus funcionários, como informou o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade.A ineficiência da FAO não explica, sozinha, o avanço da fome na África e em alguns países da Ásia e da América Central. Não ajuda e, mais ainda, agrava porque fornece argumento aos outros para boicotá-la. Os Estados Unidos criaram sua própria agência, a Usaid. Há uma semana o secretário da Agricultura foi categórico em pedir mudanças na FAO. A União Europeia conseguiu aprovar na reunião dos G-20 a proposta de criação de estoques estratégicos para os países pobres. Generosa? Não. Quer estoques para evitar novas altas nos preços dos alimentos que, com o petróleo, pressionam a inflação. Nova era. O novo diretor da FAO, José Graziano, que toma posse em dezembro, prometeu uma "nova era na organização. É possível erradicar a fome, no mundo," afirma. Será? Mas, para isso é preciso que a FAO comece a mudar. Agora. Mas Graziano já disse que não quer interferir na administração atual. Mas a fome não espera e se houver um novo repique nos preços, tudo pode voltar ao clima tenso de 2007 com os pobres indo para as ruas para pedir comida.Vai conseguir? Muitos duvidam. Primeiro, é preciso erradicar a burocracia e a ineficiência da organização. Cortar gastos internos. Nada de 65% do orçamento só para pagar o pessoal - resta pouco para a África e para programas menos teóricos. Sua tarefa será difícil porque há interesses internos arraigados, que se agravaram nos dois mandatos do atual diretor. Petrificou lá.Como combater a fome. Estoques e produção, na qual pouco se fala. Sobre o estoque, ninguém sabe bem quanto existem e onde estão as 500 milhões de toneladas anunciadas pela OCDE e pela FAO. Na reunião dos G-20, os ministros pediram mais transparência. Querem que os 190 países-membros revelem quanto têm e onde estão guardados. A posição do Brasil foi muito clara na reunião dos ministros de 19 países produtores e consumidores, realizada em Paris, nos últimos dias 22 e 23: é a favor de estoques, sim, desde que haja transparência de todos e não seja possível intervir nos preços, quando eles aumentam ou recuam. O dilema produção e preço. Aqui o grande dilema. É preciso produzir mais com maior produtividade para reduzir custos, mas não se deve impedir que os agricultores obtenham ganhos quando os preços internacionais aumentam. Aconteceu isso, no passado, quando os preços dos alimentos caíram. Resultado: os agricultores do mundo deixaram de investir, porque a rentabilidade era baixa e as safras recuaram. Daí uma das origens da crise. As cotações aumentaram nos últimos dois anos, mesmo na crise financeira de 2007, e eles voltaram a plantar. É o dilema que se enfrenta de produzir mais, sim, mas sem aviltar os preços com intervenções que derrubam as safras futuras. É um desafio que ainda não se conseguiu enfrentar.Estoques? A solução é formar estoques, afirmam os analistas e produtores na reunião dos ministros de 19 países, em Paris. Mas estoques reguladores específicos que não derrubem os preços, prejudiquem os agricultores e desestimulem novos plantios, com efeito danoso nas próximas safras, como quer a União Europeia. Estoques que se destinem exclusivamente a atender os países pobres e alimentar 1 bilhão de famintos no mundo, um número que cresceu nos últimos anos.A FAO fracassou, por enquanto. O novo diretor José Graziano promete mudanças. Ótimo, mas todos prometem quando chegam ao poder. Graziano afirma que não vai interferir na atual e canhestra administração da FAO. Vai esperar. Pode ser até compreensível, mas a fome no mundo não espera.

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