SÃO PAULO - Dezoito anos depois de comprar um Ford Escort zero quilômetro que foi entregue com falhas mecânicas e estéticas, um consumidor de São Paulo finalmente vai receber indenização por dano moral devido ao abalo psicológico que alega ter sofrido.
A decisão foi confirmada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que condenou a Ford Motor Company Brasil a indenizar um consumidor que comprou veículo cujos defeitos, no entender dos ministros, "extrapolaram o razoável".
Os ministros consideraram que os defeitos causaram frustração ao consumidor, gerando abalo psicológico capaz de caracterizar o dano moral. O modelo lançado em 1983 deixou de ser produzido no Brasil em 2003. O valor da indenização ainda não foi decidido.
Poucos dias após a compra, o consumidor procurou a concessionária após constatar problemas estéticos e de segurança - falhas nos freios e no motor. Ele retornou à concessionária em várias ocasiões, para reparar os defeitos. Em um ano, ficou sem o veículo por mais de 50 dias, fato que o estimulou a ajuizar a ação de indenização.
A sentença condenou a Ford a indenizar o consumidor. A posição foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu a existência de "vícios de fabricação no produto" e entendeu correta a indenização por danos morais.
Aborrecimento. Em recurso ao STJ, a Ford alegou que as constantes idas à concessionária para realizar reparações em veículos são "mero aborrecimento", não sendo motivo capaz de gerar reparação por danos morais. A fábrica sustentou que essa era a posição defendida pela Terceira Turma do STJ, conforme o julgado nos Recursos Especiais.
O ministro João Otávio de Noronha, relator do caso, reconheceu que os julgamentos anteriores a 2013 realmente traziam essa posição, mas acrescentou que esse entendimento estava "superado".
De acordo com Noronha, apesar de a Terceira Turma considerar, em regra, que defeito em veículo novo é um mero aborrecimento, quando esse defeito extrapola o razoável, "considera-se superado o mero dissabor decorrente de transtorno corriqueiro, tendo em vista a frustração e angústia, situação que invade a seara do efetivo abalo psicológico".
Para o ministro, a hipótese do automóvel zero-quilômetro que, em menos de um ano, fica por mais de 50 dias paralisado para reparos, por apresentar defeitos estéticos, de segurança, motorização e freios, ilustra esse tipo de situação.
Conforme ponderou Noronha, é "certo que o mero dissabor não caracteriza dano moral e que eventual defeito em veículo, via de regra, implica simples aborrecimento, incapaz de causar abalo psicológico".
Todavia, segundo o relator, "se, num curto período de tempo, o consumidor se vê obrigado a constantes idas à concessionária para a realização de reparos, independentemente da solução dos vícios, é fato que causa frustração e angústia", pois extrapola o razoável, sendo capaz de gerar reparação por danos morais.