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Frutas fáceis de colher

A expressão em inglês “low hanging fruit” (fruta em galho baixo, fácil de colher) é usada para medidas com impacto positivo que têm baixo custo político. A principal tarefa do provável presidente Michel Temer consiste em colher frutas em galhos altíssimos – um doloroso ajuste fiscal, em que direitos sociais e previdenciários terão de ser restringidos.

colunista convidado
Foto do author Fernando Dantas
Por Fernando Dantas
Atualização:

Mas isso não quer dizer que não haja frutas baixas esperando para serem colhidas, que podem dar ânimo à economia e, com isso, ajudar a pavimentar um caminho de construção de apoio popular e governabilidade para o atual vice-presidente. Esse seria um inteligente passo inicial para preparar as lutas mais difíceis, voltadas aos frutos do topo da árvore.

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Um exemplo clamoroso de iniciativa de custo político relativamente baixo, pronta para ser tomada, é o de fazer um programa de concessões de infraestrutura e serviços públicos que, simples e singelamente, utilize o conhecimento científico sobre desenho de mercados e de leilões que já existe. É só chamar os especialistas, recorrer aos livros-texto, chutar para o gol e comemorar. Estranhamente, há muitos anos, o governo brasileiro não faz nada disso. Ou talvez não seja tão estranho assim.

Há informações de que concessionárias de aeroportos privatizados tentam não pagar este ano o que é devido em outorgas, isto é, o direito de explorar a concessão pelo qual se comprometeram a pagar determinado valor nos leilões. Vinicius Carrasco, professor de Economia da PUC-Rio, não está nem um pouco surpreso. Aliás, ele previu exatamente essa possibilidade em minha coluna no Broadcast de dezembro de 2013.

Governo tem faca e queijo na mão para relançar programa bem-sucedido de concessões

A razão é que os leilões foram mal desenhados. Não se usou o conhecimento científico disponível. Para Carrasco, algo mais do que ignorância pode ter contribuído para isso: “Talvez os objetivos políticos tenham sobrepujado o objetivo de eficiência econômica”.

Ele dá um exemplo simples. A Infraero entrou com 49% nos consórcios vencedores. Empreiteiras lideraram os consórcios, e empresas desses grupos participaram das obras. Para cada R$ 1 de obra contratada, o grupo entra com R$ 0,51 e fatura R$ 1, com ganho de R$ 0,49. Há um óbvio incentivo ao encarecimento e a fazer mais obra do que o necessário na fase inicial de reformas e construção. Posteriormente, pode ser mais interessante abandonar a concessão ou renegociar seus termos.

Este último ponto, aliás, é crucial no desenho das concessões. “No fundo”, explica Carrasco, em referência a como os leilões foram realizados, “os consórcios estão dando lances pela aquisição da outorga e pela opção de devolvê-la depois – e o leilão tem de cobrar por essa opção.”

De forma ainda mais simples, o programa bem desenhado tem de criar custos para o consórcio que dá o lance de olho na possibilidade de renegociar ou abandonar a concessão num segundo momento. Os livros-texto explicam como fazer isso com garantias ou contratação de seguro, que já vão desestimular os lances exagerados na etapa inicial do leilão.

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Há conhecimento disponível também para eliminar ao máximo os chamados “riscos não gerenciáveis” – que alguns podem ingenuamente crer que onerem somente os concessionários, mas que, na verdade, são cobrados de usuários e governos por meio de uma maior taxa de retorno exigida, que resulta em menor receita para o concedente e maior tarifa. Da mesma forma, é possível determinar o melhor tipo de leilão (lances fechados ou abertos, sucessivos ou simultâneos, etc.) para maximizar determinados objetivos, seja arrecadação, sejam eficiência e modicidade do serviço.

O governo, portanto, tem a faca e o queijo na mão para relançar um programa bem-sucedido de concessões. Mas não basta evitar o erro grosseiro de tabelar de forma irrealista a taxa de retorno. É preciso também usar o conhecimento disponível para fazer a coisa certa.

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