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Fundo da ONU para pequeno agricultor busca manter jovens no campo

Até 2021, o maior objetivo do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola será desenvolver projetos que melhorem a produção no campo e criem condições para evitar a saída 'em massa' de jovens para as cidades

Por Paulo Beraldo
Atualização:

ROMA - O Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola da Organização das Nações Unidas (FIDA/ONU), agência criada em 1978 para reduzir a pobreza no meio rural, anunciou nesta terça-feira, 13, que o orçamento esperado para o triênio 2019, 2020 e 2021 é de US$ 3,5 bilhões. Os recursos, bancados pelos 176 países membros e pela iniciativa privada, após aprovados, devem se tornar empréstimos e doações para apoiar pequenos agricultores, principalmente na África e no sul da Ásia.

O foco dos investimentos, segundo Gilbert Houngbo, presidente do FIDA, será em projetos que melhorem a qualidade de vida dos jovens, que costumam abandonar as zonas rurais em busca de melhores oportunidades nas cidades. Para tentar evitar essa "sangria", a agência buscará facilitar o acesso a tecnologias de produção mais eficientes, e apresentar técnicas de cultivo mais resistentes às mudanças climáticas, como as estufas, que protegem as plantações de chuvas fortes. 

Gilbert Houngbo, presidente da FIDA Foto: Paulo Beraldo/Estadão

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Além disso, explica Houngbo, o FIDA fortalecerá suas ações para promover a capacitação de mulheres e buscar a igualdade de gênero e de oportunidades de trabalho no campo. "Queremos aumentar nosso papel de catalisador de desenvolvimento para elevar os recursos disponíveis para a transformação do mundo rural", diz Houngbo. 

No Brasil desde 1980, o FIDA já financiou US$ 864,5 milhões em projetos em sete Estados da região Nordeste do País. No sul do Piauí, por exemplo, o programa 'Viva o Semiárido' tenta combater a pobreza no meio rural facilitando o acesso a crédito rural e fortalecendo cooperativas locais. Na Bahia, o projeto 'Pró-Semiárido', com foco em capacitação profissional, está presente em 30 municípios e beneficia cerca de 70 mil famílias. A ajuda é de extrema importância na medida em que o País tem cerca de quatro milhões de propriedades rurais familiares, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Em um contexto em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem se mostrado crítico à atuação da ONU e inclusive reduziu as contribuições do país ao orçamento da entidade, o FIDA tem sido pró-ativo na busca por formas complementares de arrecadação de recursos e aumentado a eficiência de sua gestão.

"Precisamos ser criativos e inovadores na mobilização e uso dos recursos, para atrair a iniciativa privada", afirmou Houngbo. "Quanto mais mostrarmos resultados, mais aptos estaremos a convencer as pessoas a contribuírem".

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Fome e conflitos. "A fragilidade produz fome, pobreza e migração, que criam conflitos e instabilidade", disse Gilbert Houngbo. Para romper esse ciclo, o político togolês afirmou que a colaboração de todos os países é imprescindível. Assim, diz ele, será possível criar oportunidades para quem vive na zona rural e garantir alimentos para um planeta com mais de 800 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar - o número aumentou em 2016 após 13 anos de quedas.

Houngbo lembrou que 80% das pessoas em condição de pobreza no mundo vivem na zona rural, totalizando 500 milhões. O líder do FIDA defendeu que todos os países devem contribuir na luta para reduzir a fome em um contexto de conflitos, imigração massiva e mudanças climáticas. "Ainda hoje 815 milhões sofrem de fome e má nutrição diariamente", afirmou o chefe da única agência da ONU que atua exclusivamente com pequenos agricultores.

Houngbo comentou que 2017 foi um ano com múltiplos conflitos, crises humanitárias, catástrofes climáticas e aumento da fome, forçando ainda mais pessoas a imigrarem. Ele citou ainda que 250 milhões de pessoas vivem fora de seus países. Esse número de pessoas, se fosse uma só nação, seria a quinta mais populosa do mundo.

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Por isso, Houngbo explica que um dos objetivos do FIDA é reduzir a vulnerabilidade das regiões agrícolas e possibilitar que as pessoas possam viver bem no campo, sem a necessidade de deslocar-se. "Mais do que nunca a agricultura precisa de apoio, já que investimentos sustentáveis no campo permitem que as comunidades se tornem mais resilientes".

Com a voz, os jovens. Pela primeira vez em 40 anos, o FIDA levou para sua reunião anual um grupo de jovens agricultores para participarem dos debates. Os três participantes, vindos de Myanmar, Colômbia e Quênia, contribuíram com o debate com suas visões dos problemas enfrentados diariamente pela nova geração na agricultura. 

Mai Thin Yu Mon, de uma organização de jovens indígenas de Myanmar, afirmou ser necessário criar financiamentos específicos para os jovens agricultores, com menos burocracia. "A nossa maior dificuldade é conseguir acesso a crédito". Na sua opinião, a forma de educar os jovens também deveria mudar.

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"Nas aulas, fala-se da cidade como sinônimo de desenvolvimento. O campo fica relegado", avalia a jovem indígena. "É preciso mostrar que o campo pode dar uma qualidade de vida tão boa, ou até melhor, que a da cidade". 

A empreendedora Rita Kimani, do Quênia, engrossou o coro. Ela disse que é preciso mudar a forma como as histórias da agricultura são contadas. "Precisamos ouvir mais casos de sucesso, e então vamos ver os jovens voltando para o campo", disse. "Queremos transformar o campo em um espaço para inovação e levar nosso trabalho para além das propriedades rurais". 

Segundo ela, também é preciso ouvir os jovens antes de pensar em ações para eles, já que muitas políticas são feitas de cima para baixo. Sebastián Pedraza, representante da Rede de Jovens Rurais da Colômbia, foi no mesmo sentido.

"É preciso permitir que as nossas vozes sejam ouvidas em espaços de tomada de decisão", afirma. Pedraza também avalia ser necessário criar um ecossistema de desenvolvimento em torno do campo. "É preciso olhar para outros setores que podem mudar a qualidade de vida dos jovens: cultura, educação meio ambiente, saúde, porque eles estão todos integrados". 

*O jornalista viajou a convite do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola da Organização das Nações Unidas

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