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G20 discute tributação sobre gigantes de tecnologia nesta semana e Brasil apenas engatinha no tema

Enquanto EUA e Europa estudam como taxar empresas como Google, Apple e Facebook, Brasil tenta pautar a reforma tributária, que deixou a economia digital de fora do texto; para especialistas, País ainda tributa o setor de forma arcaica

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Por Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - O grupo das 20 economias mais ricas do globo (G20), do qual o Brasil faz parte, fará uma reunião sobre a economia digital nesta semana. Enquanto o mundo trava um forte debate sobre a tributação digital, aqui, o País engatinha na discussão. A maior guerra lá fora contra as chamadas Big Techs (gigantes de tecnologia como Google, Apple, Facebook etc.) se dá entre os Estados Unidos, já que a maior parte delas é americana, e a Europa - em especial, a França.

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No Brasil, a reforma tributária está em pauta, com a promessa dos novos presidentes da Câmara e do Senado de que vão acelerar sua tramitação no Congresso. Os textos propostos, porém, deixam de fora a questão da economia digital. 

Como ressaltou o professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Celso de Barros Correia Neto, é preciso ter em mente os desafios que a economia digital impõe ao sistema tributário, levando em conta os segmentos da renda, do consumo e do trabalho. E o foco da reforma doméstica é basicamente apenas sobre a parte do consumo, com a intenção de ampliar sua base e encaminhar o País para um nível mais moderno, enquanto a maior parte dos países discute como tributar a renda dessas companhias.

Para além das diferenças das premissas entre os países, um ponto que dificulta a chegada de um consenso em todo o mundo é o de que, na economia digital, quase toda atividade pode ser classificada como serviço. E a divisão de bens e serviços tem sido cada vez mais difusa com o uso das novas tecnologias. Em muitos casos há a pergunta sobre se o que será taxado é um produto, um serviço ou uma terceira opção. 

No ano passado, G20 começou a discutir a tributação das big techs, mas conversa foi adiada para 2021. Foto: Nael Shyoukhi/Reuters

"Nada é tão mais nítido. As coisas não necessariamente cabem mais nas caixinhas antigas", comparou Correia Neto. Como exemplo, ele lembrou que a locação de vídeos que existia no passado não necessariamente poderia ser enquadrada como um serviço. O "problema" foi resolvido porque locadoras deixaram de existir e surgiram, então, plataformas de streaming, como a Netflix.

O debate interno se torna mais complicado porque há aqui um imposto específico para cada segmento produtivo. No exterior, como nos países da Europa, por exemplo, a área fiscal optou por um tributo único, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sem distinção entre as áreas de atuação. A batalha internacional diz respeito onde o tributo deve ser cobrado. Os americanos sustentam que nos países onde estão as sedes das companhias. A maioria das outras nações alega que as atividades se desenvolvem em seu território, com agregação de valor e em função de seus consumidores. Portanto, o argumento é o de que, pelo menos uma parte dos impostos, deveria ser onde o serviço é usufruído.

O Estadão/Broadcast conversou com vários especialistas e pesquisadores sobre o tema e há um consenso de que o assunto está longe de ser resolvido. Mais do que isso, poderá se chegar a um pensamento abrangente de uma ação multilateral, mas que, mesmo assim, casos particulares poderão ser entendidos de outra forma individualmente.

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Brasil tributa gigantes do setor de forma arcaica 

Por meios tortos, o Brasil acaba tendo uma "vantagem" por não ter tanta urgência em encontrar uma resposta nesse debate internacional sobre tributação digital, na opinião do advogado e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Aristóteles de Queiroz Camara. 

"Aqui há uma discussão infrutífera sobre a economia digital, mas ao mesmo tempo tem um tributo, que é ruim, é antigo, mas que pega parte dessas operações das grandes companhias multinacionais", afirmou, em relação ao PIS e à Cofins, que incidem sobre o faturamento das empresas e conseguem alcançar parte dessas riquezas. "Isso é algo que não tem parâmetro na Europa ou nos Estados Unidos. É curioso, mas é por isso que não é tão urgente o debate no Brasil como em outros países", destacou.

Dessa forma, a instalação de atividades de companhias internacionais em terras domésticas já gera receitas ao governo. O problema, de acordo com Camara, é que o tributo é arcaico, mas acaba funcionando nesse campo, ainda que não seja a forma ideal. A pior consequência, segundo o professor, é que gera problemas em outros campos e, por isso, são os tributos que geram mais disputas judiciais.

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Ele comentou que a reforma tributária não toca na área digital, mas que uma de suas maiores preocupações hoje é com o aceno feito pelo governo de voltar a introduzir a CPMF ou um tributo financeiro semelhante ao que já esteve em vigor no Brasil, mas que foi muito criticado e, por fim, extinto. "Em tese, essa CPMF iria abranger a tributação digital, mas isso está errado. Isso é um assunto mais ligado ao imposto de renda (das empresas). No Brasil, o assunto está deturpado", alertou. "A CPMF é uma solução ruim para o problema errado."

Expectativa é que acordo sobre tributação saia este ano

O mundo está completamente sem rumo sobre qual a melhor forma de aplicar tributos sobre os produtos digitais - em especial, os que têm origem fora de seus territórios. Há mais de cinco anos, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) se debruça sobre o tema para tentar encontrar pontos em comum à maior parte dos países e uma proposta foi lançada em outubro de 2019, tentando costurar as questões de seus vários membros. Na avaliação da entidade que tem sede em Paris, em outubro passado houve "progressos substanciais" para alcançar uma solução consensual de longo prazo para os desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia. A expectativa é a de que se chegue a um acordo até meados deste ano.

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O trabalho da OCDE, que é acompanhado de perto pelo grupo das 20 economias mais ricas do mundo, tem buscado, antes de qualquer coisa, evitar evasão fiscal. O cerne da proposta da Organização é o de que os países tenham direito a tributar parte dos lucros globais de multinacionais consideradas de alta lucratividade, como as Big Techs, principalmente.

Um estudo internacional da KPMG, lançado no ano passado, destacou que os benefícios para a economia global trazidos pela inovação tecnológica foram muitos, e que os governos têm se esforçado para incentivar empresas do setor a manter seus países alinhados com o que há de mais moderno no mundo. "No entanto, certos setores e negócios se beneficiam desproporcionalmente de impostos preferenciais, criando um campo de jogo desigual", escreveram Daniel Bunn, Elke Asen e Cristina Enache no trabalho Taxação Digital ao Redor do Mundo.

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Como afirmou o professor do IDP Celso de Barros Correia Neto, não há solução acabada para o assunto. Para ele, também não há como escapar de levar em consideração o número de usuários como um critério para tributação. "Isso está em construção porque envolve o desafio de repensar a própria soberania fiscal."

Correia Neto enfatizou que qualquer parâmetro que se crie de forma multilateral, apenas funcionará se houver troca de informações entre os países. Em junho de 2019, em Osaka (Japão), o secretário-geral da OCDE, José Ángel Gurría, apresentou uma estimativa corpulenta durante reunião de cúpula do G20: até aquele momento, segundo ele, o simples fato de haver uma coordenação mais global de tributação levou a uma arrecadação extraordinária de nada menos do que 95 bilhões de euros.

O professor do IDP ressaltou que a conversa internacional sobre a quem cabe a tributação ainda nem chegou ao Brasil. E há, de acordo com ele, muitas indefinições sobre o tema, que acabam sempre por parar no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte, por sua vez, pode demorar anos para definir uma sentença e, muitas vezes, na economia digital, isso quer dizer passado até do próprio negócio que estava em questão. Correia Neto lembrou de um caso sobre cobrança de imposto sobre livro eletrônico, mais especificamente uma enciclopédia jurídica, que era vendida em CD ROM. "Quando o caso foi a plenário, não existia nem mais gaveta para CDs nos computadores".