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Genebra não é Brasília

A vitória de Roberto Azevêdo na disputa pela posição de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) provocou grande alívio em Brasília. Depois que a União Europeia decidiu votar em bloco na candidatura do rival mexicano, houve o temor de que o brasileiro fosse derrotado. Uma derrota para o México resultaria em grandes estragos na postulação brasileira pela liderança política na América Latina, baseada, embora com claros exageros, em manter posição menos alinhada em relação a Washington. Com base nas simétricas reações mexicanas à derrota de Herminio Blanco, é possível imaginar a reação brasileira a uma eventual derrota de Azevêdo. O ex-presidente do país Ernesto Zedillo, no Wall Street Journal, foi menos elegante do que sugeriria sua biografia e, confundindo pessoa com país, lamentou a escolha com o discutível argumento de que "o Brasil não foi o parceiro mais positivo da OMC". Já Jorge Castañeda foi inusitadamente comedido, limitando-se a sugerir que Azevêdo foi escolhido por ser da "confraria" de Genebra. Não cabe dúvida de que a vitória decorreu do reconhecimento das virtudes do candidato, que teve envolvimento estreito em panels nos quais o Brasil contestou as políticas protecionistas de países desenvolvidos. As vitórias nos panels do açúcar e do algodão, contra a União Europeia e os EUA, respectivamente, foram marcos na consolidação do sistema de solução de controvérsias da OMC. Depois disso, o embaixador viu-se obrigado a defender posições menos sólidas quanto ao protecionismo no Brasil e à inclusão de mecanismo de ajuste de tarifas para levar em conta flutuações cambiais. A vitória brasileira foi a vitória do multilateralismo. Herminio Blanco foi o principal negociador do Nafta, marco da abertura mexicana. A política comercial mexicana baseia-se na celebração de acordos regionais, em contraste com negociações multilaterais. Assim, após o Nafta, o México celebrou muitos outros acordos de livre comércio. É estratégia cuja generalização tem limites, especialmente para países com comércio menos concentrado geograficamente. Na contabilidade dos votos, a vitória de Azevêdo dependeu crucialmente dos votos africanos. O México teria vencido se tivesse repartido os votos dos africanos que votaram no Brasil. Não é só na América Latina que o México é visto, nas palavras de Castañeda, "com suspicácia" por sua proximidade com os EUA. O apoio ao Brasil na África decorreu, também, da política de abertura de novas embaixadas e do uso menos intenso, pelos europeus, das tradicionais pressões sobre ex-colônias. A derrota dos países desenvolvidos, que apoiaram a candidatura Blanco a despeito das "parcerias estratégicas" celebradas pela diplomacia brasileira, revela o aumento do peso das economias em desenvolvimento na economia mundial. E também falta de compromisso dos desenvolvidos com o multilateralismo, quando ganham proeminência as futuras negociações entre União Europeia e EUA e a do Trans-Pacific Trade Agreement. A combinação da assimetria do peso de diferentes países no comércio mundial com a regra de que a cada país corresponde um voto gera problemas de governança que têm levado muitos organismos multilaterais à paralisia. Evitar que isso ocorra na OMC é tarefa espinhosa que exigirá todos os talentos de Azevêdo. Ontem fui a uma agência dos Correios e retirei a encomenda de um DVD sobre a obra de Joseph Haydn. Paguei imposto equivalente a 72% do preço de face no Reino Unido. Ao pagar me veio à mente a declaração recente do ministro Fernando Pimentel, ao negar o protecionismo brasileiro: "Protecionismo é um conceito utilizado pelos países desenvolvidos quando querem entrar no mercado de outros países". Vamos torcer para que Roberto Azevêdo se distancie das posições de Brasília.

Por Marcelo de Paiva Abreu
Atualização:

* Marcelo de Paiva Abreu é doutor em Economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no departamento de Economia da PUC-Rio.

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