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Gestão da crise pode criar retrocessos

Por Gustavo Loyola
Atualização:

Desde que a crise financeira externa desembarcou no País, o governo federal se envolveu num frenesi de anúncios de medidas com o intuito declarado de preservar o crescimento da economia brasileira nos próximos meses em níveis razoáveis. Não obstante algumas ações corretas e justificadas, veleidades intervencionistas têm prejudicado a gestão da crise, criando riscos de retrocessos institucionais graves que podem afetar negativamente o crescimento econômico no longo prazo. No âmbito do mercado financeiro, o Banco Central (BC) reagiu rapidamente à perda de liquidez que afetou tanto o mercado de moeda estrangeira quanto o de moeda local, principalmente liberando recursos dos recolhimentos compulsórios e realizando leilões no mercado cambial. O objetivo do BC, absolutamente correto e justificado, foi e continua sendo o de manter a oferta de crédito em níveis adequados e evitar a excessiva volatilidade nos mercados. Ocorre que tais medidas estão sendo secundadas por iniciativas que, no mínimo, são de duvidosa eficácia. Os problemas mais graves situam-se na esfera fiscal, em que a multiplicação de medidas vem contribuindo para a perda de transparência nas finanças públicas, além de muitas delas criarem distorções nos mercados de bens e serviços, bem como no mercado de trabalho. De uma maneira objetiva, o Brasil não tem as mesmas condições para embarcar em políticas fiscais anticíclicas quando comparado com a maioria dos países desenvolvidos. Aqui, não apenas a proporção entre a dívida pública total e o PIB é elevada, como também o tamanho e a composição do gasto público são mais desfavoráveis do que na média dos países relevantes. Isso significa que, diante da perspectiva de queda de arrecadação pelo desaquecimento econômico, o governo necessariamente deveria refrear o crescimento de suas despesas de custeio, preservando os investimentos públicos sempre que possível. Porém a maneira tupiniquim de fazer política fiscal anticíclica parece outra. O que se observa é o aumento das despesas de pessoal e de outros gastos de custeio, além da criação de verdadeiros monstrengos, como é o caso do chamado Fundo Soberano do Brasil (FSB). A insistência na criação do FSB, além de outras propostas que podem levar eventualmente a "esqueletos" fiscais no futuro, principalmente nos bancos públicos federais, é um verdadeiro "tiro no pé", porque sinaliza negativamente aos investidores quanto à sustentabilidade das contas públicas no médio e longo prazos. Ou seja, estamos jogando na lata do lixo um dos mais valiosos ativos com que o Brasil conta para lastrear seu crescimento nos próximos anos, que é a confiança dos agentes econômicos na higidez fiscal. Não bastasse isso, a grande maioria das ações ditas "anticíclicas" carece de abrangência, sendo medidas pontuais destinadas a beneficiar segmentos específicos da economia. Substituiu-se a equivocada política de "escolher vencedores" por uma outra política ainda mais equivocada de "escolher não perdedores" com a crise. Tal tipo de estratégia cria incentivos perversos na economia e afeta negativamente o potencial de crescimento. Embora haja casos em que a atuação setorial do governo seja inevitável e mesmo desejável, tal não deve ser a regra, mas uma exceção a ser usada com cautela. Porém a insensatez na gestão da crise atinge o auge na discussão das políticas para minorar seus impactos no mercado de trabalho. A cogitação, pelo ministro do Trabalho, de medidas para punir com restrições creditícias as empresas que demitirem trabalhadores beira o ridículo. Não há qualquer lógica na ideia de que uma empresa deva manter inalterados seus custos supostamente variáveis quando se defronta com queda na demanda por seu produto. A não ser que se queira aumentar o número de falências entre as empresas brasileiras... O governo deveria parar de querer inventar a roda na gestão dessa crise. O melhor para o Brasil é lidar com o problema sem ameaçar as bases do crescimento sustentável. Para tanto, deveriam ser evitadas medidas que agravem distorções microeconômicas ou que reduzam a transparência na área fiscal. Uma boa gestão da crise deveria se centrar na preservação da intermediação financeira, na manutenção do investimento público combinado com a moderação no crescimento das despesas de custeio e no uso mais intenso da política monetária para estimular a demanda. *Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central

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