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Governo adia aposta em energia limpa

Temor de apagão provoca mudança em leilão de energia nova, que deixa de fora os projetos de eólicas e abre espaço para térmicas a carvão

Por Wellington Bahnemann e RIO
Atualização:

Em nome da garantia de abastecimento de eletricidade, o governo federal decidiu, por ora, abrir mão da expansão da matriz energética com base apenas em fontes limpas. A crise dos reservatórios no início do ano acendeu a luz amarela do Ministério de Minas e Energia e evidenciou a necessidade de ampliar a participação das térmicas na matriz. Sem gás natural barato disponível, a solução foi recorrer ao carvão, uma das mais poluentes fontes de geração. Esse movimento diminuirá o espaço para as eólicas, que há quatro anos vêm dominando os leilões do setor. A tendência ficou clara quando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) excluiu as usinas eólicas do leilão de energia nova que contratará a demanda das distribuidoras em 2018 (A-5), marcado para agosto. Isso foi significativo porque o leilão A-5 aponta para os agentes a direção da expansão da matriz energética no País. O temor do governo era de que, ao misturar eólicas e térmicas na licitação, apenas as eólicas fossem contratadas, dado o baixo custo de geração. "Esse é o momento de equilibrarmos a matriz e darmos mais espaço para as térmicas", afirmou o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. Segundo ele, a montagem da matriz energética é um processo artesanal, no qual a EPE olha as necessidades do País para definir a expansão das fontes. Por falta de projetos hídricos, o ministério permitiu a contratação de um grande volume de termelétricas para o atendimento da demanda nos leilões até 2008. Em 2009, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir emissões de gases de efeito estufa, e a EPE passou a desestimular a contratação das térmicas, principalmente as mais poluidoras - a carvão, óleo combustível e diesel. Nesse meio tempo, avanços tecnológicos reduziram substancialmente o preço da energia eólica, produzindo um avanço notável da fonte na composição da matriz brasileira. O saldo dos leilões mostra que as eólicas representam 11% da energia contratada pelo governo desde 2005, com 7,04 mil MW. Isso produzirá um salto na capacidade da fonte, dos 2,5 mil MW para 8,83 mil MW. Além disso, a energia eólica se consolidou como a segunda fonte mais barata do País, com valor médio nos leilões de R$ 137,01/MWh, atrás somente das hidrelétricas. Ainda que a expansão tenha contribuído para limpar ainda mais a matriz brasileira, a predominância da eólica trouxe preocupações sobre a operação do sistema por ser uma fonte intermitente de energia. Uma das principais vozes a manifestar essa apreensão é o próprio diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. Há tempos ele vem alertando sobre a perda gradual de regularização dos rios brasileiros com a construção das hidrelétricas a fio d'água (sem reservatório). Além de perder a capacidade de armazenar água, essas usinas têm alto nível de variação na produção de energia por depender da vazão dos rios.O coordenador do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica (Gesel/UFRJ), Nivalde de Castro, vê com bons olhos essa mudança no planejamento. Segundo o especialista, o que se via até então era o planejamento "ex-post", uma vez que a matriz era construída após os resultados dos leilões. Ao priorizar as térmicas, o governo reverte essa lógica. "Estamos partindo para a construção de uma matriz estratégica." De fato, os leilões organizados até o ano passado só consideravam o menor custo da geração, sem levar em conta os de transmissão e a segurança energética. "Se colocar todas as fontes em um leilão, obviamente a eólica vai ganhar", acrescentou Chipp. No leilão A-5 de 2012, 50% da energia contratada era eólica. a competitividade da fonte foi tão alta que impediu a contratação das termelétricas a gás na boca do poço da MPX. Para evitar essa situação, Tolmasquim disse que o governo está priorizando as eólicas nos leilões A-3 e de energia reserva, cuja demanda é inferior ao A-5. Mesmo nesses leilões, a EPE fixou regras mais restritivas para as eólicas. Para o leilão de energia de reserva deste ano, em agosto, a EPE adotará pela primeira vez o conceito de "capacidade de hospedagem" na transmissão. Isso significa que a contratação dos empreendimentos estará limitada à capacidade de conexão ao sistema. Os projetos sem interligação à malha de transmissão não poderão disputar. Com isso, a oferta deve cair de 14 mil MW, no leilão A-5 de 2012, para entre 2,5 mil MW e 3 mil MW.

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