PUBLICIDADE

Governo avalia revisar benefícios sociais para prorrogar auxílio emergencial

Pressionado a manter o benefício de R$ 600, equipe econômica propõe mudar pagamento de outros programas para abrir espaço no Orçamento

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - Pressionada a prorrogar ou até mesmo tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 desenhado para socorrer trabalhadores informais durante o pico da pandemia do novo coronavírus, a equipe econômica quer atrelar o debate a uma revisão de gastos sociais considerados ineficientes. Na mira dos técnicos, estão gastos como abono salarial, seguro-defeso (pago a pescadores artesanais no período de reprodução dos peixes, quando a pesca é proibida) e farmácia popular.

O argumento é que uma revisão nesses benefícios abriria espaço no Orçamento para acomodar uma renda básica à população ou alguma outra proposta de fortalecimento das políticas sociais no Brasil. No formato atual, o auxílio emergencial custa cerca de R$ 45 bilhões ao mês, uma despesa que não cabe no Orçamento nem no teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, já disse que o auxílio foi feito para durar três meses. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

PUBLICIDADE

O abono salarial está na mira da equipe desde o governo de transição. Só neste ano, serão R$ 19,85 bilhões pagos a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 39% dos benefícios são pagos a um terço mais rico da população, enquanto só 16% vão para o terço mais pobre. 

A realidade é bem distinta do Bolsa Família, que custa cerca de R$ 30 bilhões por ano e paga 77% de seus benefícios para o terço mais pobre dos brasileiros. Além disso, quase metade do abono salarial é transferido hoje a trabalhadores da Região Sudeste, enquanto o Nordeste (onde a taxa de pobreza é o dobro da média nacional) fica com 22,4% do benefício. Na análise do Ipea, a contribuição do abono para a redução da pobreza no País é equivalente a zero.

O programa farmácia popular, que promove a distribuição de medicamentos de uso comum (para tratamento de hipertensão, diabetes e asma, por exemplo), também é considerado sem foco pelos técnicos, por beneficiar famílias independentemente de sua renda. Para retirar um remédio pelo programa, basta apresentar documento de identificação e receita médica. O programa custa cerca de R$ 2,5 bilhões.

Outro “alvo” dos técnicos, o seguro-defeso, pago a pescadores artesanais na época de reprodução dos peixes, tem sido usado em fraudes. Nos últimos 20 anos, o gasto com esse benefício teve um crescimento médio de 21% ao ano, já descontada a inflação, chegando a R$ 2,5 bilhões em 2018, segundo o Ministério da Economia. A Controladoria-Geral da União (CGU) também identificou saques do benefício feitos a mais de mil quilômetros do local de residência do beneficiário. Além disso, quase dois terços dos pescadores resgatam todas as parcelas de uma única vez, o que apontaria para a ineficácia da política como substituição da renda.

Em entrevista na semana passada ao Estadão/Broadcast, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, disse que o auxílio emergencial foi feito para durar “três meses e acabou” e que qualquer programa futuro só terá espaço no Orçamento com a revisão de outros gastos. 

Publicidade

Negociação

A discussão da revisão dos benefícios, porém, leva tempo e muitas vezes requer até mesmo mudança na Constituição, como é o caso do abono salarial. A aprovação de emenda constitucional precisa do apoio de 308 deputados e de 49 senadores em dois turnos de votação. Na reforma da Previdência, a Câmara chegou a aprovar uma redução no alcance do abono salarial, mas a mudança foi derrubada no Senado Federal.

O governo também foi derrotado recentemente pelo Congresso numa votação sobre a ampliação do alcance do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Os parlamentares estenderam o pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo (R$ 1.045), a todos os brasileiros com renda familiar por pessoa de até R$ 522,50 – o dobro do limite atual, de R$ 261,25. A alteração vai gerar custo adicional de R$ 20 bilhões ao ano a partir de 2021.

O BPC é um dos programas sob avaliação este ano do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas. Os resultados são publicados no ano seguinte ao da análise.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A manutenção do auxílio emergencial de R$ 600 além dos três meses definidos inicialmente pelo governo já virou bandeira de parlamentares e entrou na conta das projeções de mercado para o resultado fiscal do Brasil em 2020. Economistas, porém, alertam para o risco de o País repetir os erros da crise de 2008, quando políticas temporárias para resgatar empresas e famílias se tornaram permanentes e contribuíram para o processo de deterioração das contas públicas.

Em relatório a clientes, o BTG Pactual espera uma prorrogação do auxílio emergencial por ao menos três meses, o que levaria o déficit deste ano para R$ 940 bilhões. Nas contas do economista Gabriel Leal de Barros, do BTG, as medidas contra a crise já elevaram a despesa do governo em R$ 375 bilhões, e a extensão do benefício por mais 90 dias geraria custo adicional de R$ 150 bilhões.

O economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), alerta que é preciso cautela no debate sobre a transformação do auxílio emergencial em política permanente. "A base dessa discussão é arriscada. Da última vez que isso aconteceu, o remédio foi pior que a doença", diz Neri. "A última grande crise foi a semente da nossa queda: não saber deixar ações emergenciais como emergenciais."

Publicidade

Segundo ele, o tamanho atual do benefício já "atesta contra sua manutenção", e talvez não seja o melhor momento para o País "pensar o futuro permanente" das políticas públicas. O economista da FGV é defensor de melhorias nas políticas sociais, mas vê risco de a discussão agora ir numa direção insustentável para as contas do País. Para Neri, o ideal é que o Brasil faça uma discussão com cautela sobre como focar transferências de renda às famílias que realmente precisam, sem acentuar desigualdades ou contemplar todos de forma universal.

No Congresso, a preocupação de parlamentares é evitar que as famílias fiquem sem nenhuma renda num momento em que a circulação do novo coronavírus no País ainda poderá inviabilizar a retomada plena das atividades e do emprego. "É importante que ele (benefício) cubra todo o período da pandemia", diz a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), defensora da prorrogação 

Em altaEconomia
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Tabata, que é coautora de uma proposta de criação de uma renda básica no Brasil, diz que é importante fazer a discussão do auxílio permanente respeitando desigualdades entre as famílias, isto é, garantindo benefícios maiores ou menores conforme o número de filhos ou o valor necessário a garantir um mínimo de sobrevivência. Uma das inspirações é o próprio Bolsa Família, que tem parcelas variáveis para atacar essas desigualdades.

 A deputada afirma também que é preciso ter uma discussão ampla para garantir ao governo o fôlego fiscal necessário para pagar essa renda básica. "Vejo isso associado à discussão de uma reforma tributária ou à revisão de alguns privilégios no setor público", diz.