Governo busca brecha na lei para limitar atuação da Huawei no 5G no País

Empresas se movimentam para evitar que grupo chinês fique de fora do leilão da nova tecnologia, o que poderia atrasar e encarecer o processo

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Por Circe Bonatelli
4 min de leitura

O governo Jair Bolsonaro está procurando alternativas, dentro da lei, para limitar a participação da fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações Huawei na implementação das redes de 5G no País, conforme apurou o Estadão/Broadcast

Huawei Foto: Hannibal Hanschke/Reuters

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A ideia é estabelecer uma barreira com base em requisitos técnicos ou de segurança, sem citar o nome da Huawei, mas que, na prática, impeçam a empresa de participar do mercado 5G, de acordo com fontes ligadas ao assunto, que falaram na condição de anonimato. 

Embora haja inclinação para concretizar a iniciativa, a avaliação é que o governo precisará fazer um "contorcionismo jurídico" para achar uma justificativa para limitar o livre mercado, pois faltam dispositivos legais que apoiem um veto antecipado a qualquer empresa.

O que está em estudo, segundo as fontes, é a regulamentação da Instrução Normativa 4, publicada em março deste ano pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e que dá as diretrizes de segurança cibernética para a construção das redes.

Uma ala do governo vê a chance de explorar o artigo dez, que determina que as operadoras devem contratar fornecedores distintos em cada região, de modo que cada local tenha diversidade no ecossistema, ajudando a diluir os riscos em caso de problemas eventuais nas redes. Haveria ali espaço para estabelecer medidas mais rígidas e que funcionem como barreiras para o avanço da companhia chinesa, que tem a maior participação do mercado em muitas localidades.

O grupo que trata do assunto envolve a Presidência da República, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e os ministérios de Relações Exteriores, Casa Civil, Economia e Comunicações.

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O assunto ganhou corpo nos bastidores do governo de Jair Bolsonaro nos últimos dias e foi justamente isso que levou associações empresariais a publicarem comunicados na sexta-feira, 27, se posicionando contra o impedimento de qualquer fornecedor no mercado brasileiro. O temor das empresas é que sobrem apenas dois grandes fornecedores de equipamentos - a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia - por aqui, o que poderia acarretar aumentos nos custos de instalação de antenas.

As manifestações contrárias partiram do Conexis Brasil Digital (que representa as operadoras Vivo, Claro, TIM e Oi) e da Federação Nacional de Infraestrutura de Redes e Telecomunicações (Feninfra). As empresas já argumentaram que a limitação à Huawei pode encarecer muito a implantação do 5G no Brasil, já que boa parte da infraestrutura usada pelas empresas de telecomunicações já é fornecida pelo grupo chinês. Novos equipamentos, fornecidos por outras companhias, não "conversariam" com as redes já implantadas.

Ainda que a medida em estudo pelo governo evolua, a possível brecha na instrução normativa é apontada como questionável e frágil, por fontes do mercado. O Estadão/Broadcast apurou que os representantes das empresas já estão mobilizando advogados para questionar na Justiça qualquer decreto ou medida provisória que venha a ser publicado pelo governo federal.

Procurado, o Ministério das Comunicações afirmou que a decisão sobre os fornecedores de equipamentos de telecomunicações é um tema de Estado e que envolve segurança de dados. "A decisão sobre os fornecedores de equipamentos de telecomunicações perpassa diversos órgãos de governo para além do Ministério das Comunicações, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o Ministério da Defesa, o Ministério da Economia e o Ministério das Relações Exteriores. Por se tratar de segurança nacional, envolve também todos os presidentes da república dos países envolvidos com esse tema. Ressalta-se ainda que o Presidente está a par do processo decisório envolvendo a licitação 5G e ciente de que as discussões sobre o tema transcorrem dentro do horizonte temporal esperado", disse, em nota.

A Huawei e os outros ministérios foram procurados pela reportagem, mas não se pronunciaram.

Consequências

O clima de incerteza em torno do banimento ou permanência da Huawei no Brasil pode ter como consequência o adiamento na publicação do edital que irá leiloar as faixas para o sinal do 5G, que estava previsto para metade do ano que vem.

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O edital é elaborado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com base nas políticas definidas pelo governo federal. Portanto, o órgão regulador poderá ter de aguardar uma posição oficial do alto escalão do governo antes de publicar as regras do certame. E se houver uma briga judicial, pode demorar ainda mais.

E do lado das operadoras a tendência é de segurarem investimentos. Isso porque a Huawei tem contratos com Vivo, TIM, Claro e Oi. Sua participação no mercado gira em torno de 40% a 50% se considerados apenas os equipamentos para a rede 4G. E boa parte disso será aproveitado pelas teles para a implantação do 5G.

Para o governo de Jair Bolsonaro, a decisão tem como pano de fundo o alinhamento em meio à guerra comercial travada por Estados Unidos e China. Os Estados Unidos vêm pressionando aliados ao redor do mundo a restringir a atuação da Huawei, o que já deu certo em países como Canadá e Reino Unido. E já está claro que essa pressão diplomática vai continuar na gestão de Joe Biden.

Também pesam na escolha aspectos de segurança cibernética. Há uma preocupação de que as redes das operadoras e das fabricantes sejam utilizadas por agentes maliciosos para vazar dados sensíveis de cidadãos, empresas e governos. Para a Huawei, o assunto é mais crítico, uma vez que a empresa privada vem de um país em que a influência do Estado se permeia fortemente por toda a economia.