BRASÍLIA - O governo da presidente Dilma Rousseff poderá ser punido por ter enviado ao Congresso Nacional relatório de avaliação do Orçamento liberando despesas até o fim do ano. Divulgado no início da noite de sexta-feira, em meio ao impasse em torno do anúncio dos nomes da nova equipe econômica, o relatório de avaliação de despesas e receitas foi feito já levando em conta a mudança da meta de superávit das contas do governo de 2014, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que ainda não foi aprovada pelos parlamentares.
No relatório, o governo reduziu de R$ 80,7 bilhões para R$ 10,1 bilhões a previsão de superávit primário em 2014. Mas a meta mínima de superávit que está valendo na LDO é de R$ 49 bilhões. O problema para o governo é que o artigo 9.º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que a autoridade pública tem de ajustar o Orçamento e a sua programação financeira para alcançar a meta assim que perceber que ela tem risco de não ser cumprida.
O que a equipe de Dilma fez foi o oposto. Mesmo diante das evidências de que as contas públicas terão saldo muito abaixo do esperado, não conteve gastos. Pior ainda: contando com a aprovação, pelo Congresso, da proposta de alteração da meta fiscal, liberou mais R$ 10,1 bilhões em despesas discricionárias - justamente aquelas que, no caso, caberia cortar.
A equipe econômica foi alertada pela área técnica para o problema legal, mas preferiu correr o risco ao divulgar o relatório como se a flexibilização da meta já tivesse recebido o aval do Congresso. O texto do relatório destaca que o governo aumentou em R$ 70 bilhões a previsão de abatimento da meta fiscal com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e renúncia fiscal de desonerações tributárias considerando o projeto. O volume de abatimentos subiu de R$ 35,22 bilhões para R$ 106 bilhões. Mas esse abatimento só será possível se o governo conseguir aprovar o projeto que muda a LDO.
Consulta técnica. O Ministério Público com o Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou uma consulta técnica para analisar o caso, segundo apurou o Estado. Para a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira, o gestor público responsável pode ser enquadrado em ato de improbidade administrativa.
Segundo ela, o governo deveria ter realizado a limitação de empenho para cumprir a meta do superávit primário previsto na lei atual, e não baseado numa norma que nem sequer tem validade e que pode não ser votada pelo Congresso. Cabe ao Ministério Público Federal, diz Lucieni, avaliar o caso. “A limitação de empenho é uma das previsões para a prevenção de risco ou para a correção de desvios que podem afetar o equilíbrio das contas públicas. É o princípio da gestão fiscal responsável”, destacou a presidente da ANTC.
Técnicos da assessoria parlamentar do Congresso também consideram que haveria brecha para o questionamento jurídico. Um especialista em legislação orçamentária, que falou na condição de anonimato, argumenta que a regra não deixa dúvida: havendo perspectiva de descumprimento da meta fiscal, o Executivo precisa contingenciar despesas.
O relatório bimestral precisa ser aprovado pelo Congresso. Assim, em tese, o relator poderia questionar o que afinal aconteceu entre agosto (quando foi fechado o relatório anterior) e outubro (base do relatório divulgado na semana passada) para justificar a mega reavaliação de despesas e receitas que levou à queda da previsão de superávit em R$ 70 bilhões. Mas, na prática, os relatórios bimestrais tramitam lentamente e sem muita discussão. Não raro, são aprovados no ano seguinte.
Encaminhado ao Congresso no início do mês, o projeto de lei que permite desconto da meta fiscal de todos os gastos do PAC e da renúncia tributária é tratado como “prioridade total” no Palácio do Planalto. Sua tramitação no Congresso, no entanto, tem sido tumultuada.
O desgaste com a discussão da matéria foi apontado por assessores da presidente Dilma como uma das razões para que o anúncio dos novos ministros da área econômica, previsto para sexta-feira, fosse adiado na última hora.
Ministério. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), questionado pelo Estado, informou que alterou a meta de resultado fiscal em anos anteriores usando o mesmo procedimento que agora está sob exame do Ministério Público Federal. A pasta não atestou, entretanto, se considera que o relatório produzido na semana passada está em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O Planejamento diz que, nessas ocasiões, foi adotado o mesmo procedimento ao considerar os efeitos da alteração nos relatórios bimestrais, mesmo antes da sua aprovação pelo Congresso. E dá como exemplo a mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias que tratou do fim da obrigatoriedade da compensação pela União de eventual frustração de superávit primário das contas de Estados e municípios.
Procurado, o Ministério da Fazenda, que também é responsável pela elaboração do relatório, não quis comentar. Informou que o Planejamento falaria pelo governo. / COLABOROU FABIO FABRINIM