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Governo só cumpre meta de superávit primário se recorrer a 'anabolizantes'

Conta de chegada. Para atingir o resultado prometido para as contas públicas em 2013, o governo tem de recorrer a receitas extraordinárias, como a renegociação de dívidas de multinacionais brasileiras, e a descontos, como o abatimento das obras do PAC

Por Alexa Salomão
Atualização:

A política fiscal vive uma crônica anunciada: economistas passaram o ano advertindo para o risco de o governo não estar poupando o suficiente para cumprir a meta de superávit primário (a economia de recursos que forma um colchão financeiro para o pagamento dos juros da dívida pública). As projeções negativas vingaram. Nos sete primeiros meses do ano, o setor público cumpriu parcos 29% da meta original, de 3,1% do PIB. Se quiser fechar a conta nos meses que restam, a alternativa será recorrer a alguns "anabolizantes" para bombar o resultado.

Tomando como base estratégias anteriores adotadas pelo governo para cumprir a meta, o economista Felipe Salto, da Tendências Consultorias, estima que há alguns bons bilhões de reais que podem ser incluídos na contabilidade do primário para empurrar o resultado para cima (veja quadro).

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A parcela mais visível vem de receitas extraordinárias com as concessões públicas. O governo previu que arrecadaria R$ 20 bilhões no ano com as concessões e ainda há quase R$ 17 bilhões para entrar no caixa. A parcela mais graúda é a contabilização dos R$ 15 bilhões do leilão do campo de petróleo de Libra, que entra na conta em novembro. "É uma receita atípica, mas vai ter um efeito positivo no resultado", diz Salto.

Outra fonte promissora é o Refis, o programa de parcelamento de dívidas junto ao governo federal. Com a adesão dos bancos, estima-se que a receita ficará na casa de R$ 12 bilhões, que poderão ser somados à conta do primário. O governo também poderá incluir entre R$ 8 bilhões e R$ 11 bilhões de dividendos que tem a receber, principalmente da Petrobrás, do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Existe ainda a possibilidade de o governo adotar medidas concretas para controlar alguns gastos que teriam efeito positivo no primário. "Com um pequeno esforço, acredito que o governo tem condições de economizar, de fato, cerca de R$ 9 bilhões", diz Salto.

Para salvar o resultado, o governo ainda tem a possibilidade legal de abater da meta um total de R$ 65 bilhões de reais, referentes basicamente a investimentos feitos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e uma parcela das desonerações. "O abatimento do valor integral ajudaria cobrir a parte de estados e municípios, que, já se sabe, não vão conseguir cumprir a meta", diz Salto.

De acordo com Salto, essa engenharia financeira poderia reunir os R$ 156 bilhões previstos, criando a ilusão de que se cumpriu a meta. "Mas, na prática, apenas cerca de R$ 54 bilhões - um terço do total - seria resultado de um real esforço fiscal", diz o economista.

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Artificial.

Como o governo não demonstra que vai admitir não ter cumprido a meta pelos trâmites convencionais, a expectativa é que recorra aos recursos extraordinários. "É plausível que o governo faça algo assim, mas não há vantagem nisso porque pelo aspecto fiscal, é tudo artificial: não está obtendo o resultado pelos fluxos normais da atividade econômica", diz economista Amir Khair, especialista em finanças públicas.

Para Khair, se o governo quiser de fato cumprir a meta do primário a partir de 2014, deve se concentrar em promover crescimento. "É assim que se garante uma arrecadação forte que favorece a realização do superávit primário", diz Khair. "Mas o governo também deve parar de fixar meta para Estados e municípios, porque, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, essa tarefa não lhe cabe."

Para o economista Fabio Giambiagi, também especialista em finanças públicas, apesar de a arrecadação ter sido um problema em 2013, o maior entrave foi gestão dos recursos. "O grande vilão é o gasto", diz. Até setembro, a despesa corrente cresceu 8 % em termos reais, com um incremento real de 2 % das despesas com pessoal, de 6 % do INSS e de 10 % nas chamadas "outras despesas de custeio e capital". Nesse item, os destaques foram os 11 % de aumento real da despesa com seguro-desemprego e os R$ 4 bilhões pagos pelas térmicas. "O governo deveria ser mais rigoroso na execução do gasto, mas realisticamente creio que não vai acontecer", diz Giambiagi.

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