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Governo suspende sistema nacional de meteorologia na pior crise hídrica da história

Órgão reunia os principais institutos da área em três ministérios e nasceu há pouco mais de quatro meses para facilitar as previsões e dividir funções; em substituição, o governo quer retomar uma comissão criada em 2003 e que nunca funcionou

Foto do author Eduardo Gayer
Por e Eduardo Gayer
Atualização:

BRASÍLIA - No momento em que o País vive a pior crise hídrica da história, o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) teve as operações suspensas pelo governo federal. O órgão reunia os principais institutos da área em três ministérios e nasceu há pouco mais de quatro meses para facilitar as previsões e dividir funções sobrepostas do setor na esfera pública. No entanto, a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República barrou a continuidade dos trabalhos e tenta colocar em operação no lugar do SNM uma comissão criada há 18 anos.

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Com isso, o governo tira de operação um órgão enxuto criado em maio deste ano para "resultar em uma maior eficiência na utilização dos recursos escassos, bem como uma padronização de procedimentos na garantia da segurança alimentar e energética", como divulgaram à época o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) do MCTI; o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), do Ministério da Agricultura; e o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), da Defesa. Em substituição, quer retomar a Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia. Tudo isso, a pouco mais de um mês da 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, a ser realizada em novembro, em Glasgow, na Escócia

Criada em março de 2003, no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e regulamentada apenas em março de 2007, a comissão nunca operou. Inchada, deveria contar com 22 representantes - entre eles Inmet, Inpe e Censipam. Em contrapartida, dias após ser apresentado, em maio deste ano, o SNM emitiu seu primeiro alerta de emergência hídrica.

Represa da hidrelétrica de Caconde, em SP. Risco de apagãoé sinal de que estamos repetindo os erros do passado. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 4/7/2021

Por meio do acompanhamento meteorológico para o setor elétrico brasileiro, alertou que as perspectivas climáticas indicavam que a maior parte da região central do País entraria em seu período de menor volume de chuvas na história entre maio e setembro deste ano. O alerta, divulgado com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, apontou o pior cenário hídrico para a bacia do rio Paraná no período, foi confirmado nos meses seguintes e ligou o sinal vermelho no governo para a ameaça de apagão. Medidas para a redução de consumo foram anunciadas e até o presidente Jair Bolsonaro apelou para a economia, pedindo que brasileiros apaguem pontos de luz, utilizem escadas e tomem banhos frios.

Entra e sai

Após o alerta de maio, representantes do SNM foram incluídos em reuniões e discussões na Casa Civil da Presidência da República sobre as emergências hidrológica e energética. Paralelamente, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos passou a estudar um decreto para formalizar e instrumentalizar o SNM, que já estava em funcionamento.

No entanto, a pedido do MCTI, o processo foi suspenso e o governo passou a trabalhar para retomar a comissão, que, inclusive, deveria ser extinta pelo Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019. No entanto, uma liminar obtida pelo PT em uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) proíbe a extinção de conselhos previstos em leis que estabeleceram a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios a partir de 2003 - é o caso da comissão.

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O que diz o governo

Em resposta após a publicação da reportagem, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE-PR) afirmou que, apesar de operar desde maio deste ano, o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) "não existiu" formalmente. 

Em nota, a secretaria ligada à Presidência da República informou que integra um grupo que discute medidas para aperfeiçoamentos à gestão da meteorologia, climatologia e hidrologia no Brasil. "Embora no escopo desse grupo uma das possíveis soluções discutidas tenha sido a criação de um sistema nacional de meteorologia, tal medida não chegou a ser decidida, e, portanto, o sistema não existe formalmente", informou a SAE-PR. "Ressalta-se que, apesar de participar das discussões sobre o tema, não compete à SAE-PR decidir sobre a criação ou extinção de órgãos ou entidades."

O Ministério da Agricultura informou ao Estadão/Broadcast que a suspensão das operações do SNM está sendo tratada na Casa Civil da Presidência da República. A Pasta ressaltou em nota que a estrutura de cooperação entre o Inmet, o Inpe e o Censipam continua.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Com SNM suspenso por decisão do governo federal, o último alerta hídrico voltou a ser divulgado pelo Inmet. Na semana passada, o instituto divulgou boletim no qual aponta para chuvas irregulares e até mesmo abaixo da média climatológica nos três meses da primavera chuvas em regiões consideradas polos de produção de energia hidrelétrica e agropecuária. Se concretizadas as previsões, reservatórios de hidrelétricas podem seguir em níveis críticos, o que ocorre desde maio, quando o alerta do SNM de crise hídrica foi emitido.

Em nota, a Casa Civil não respondeu diretamente sobre a suspensão do SNM. O ministério informou apenas que "os trabalhos desenvolvidos em conjunto por Inpe, Inmet e Censipam têm trazido resultados de melhor qualidade no monitoramento e na elaboração de previsões de eventos meteorológicos, pesquisa, desenvolvimento e inovação, com destaque para o monitoramento do desmatamento e queimadas".

O Estadão/Broadcast entrou também em contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que não respondeu até a publicação da reportagem.

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