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Economista, doutor pela Universidade Harvard e professor da PUC-Rio, Rogério Werneck escreve quinzenalmente

Opinião|Governo teme que medidas de distanciamento social afetem a recuperação da economia

Apreensão, no entanto, deveria ser com os efeitos que o desdém generalizado pelo distanciamento poderá vir a ter sobre a evolução da pandemia

Atualização:

É natural que as boas notícias sobre a evolução do PIB no primeiro trimestre tenham dado lugar a grande otimismo sobre as perspectivas de recuperação da economia. Ainda é cedo, contudo, para entrever, com base nos dados divulgados na semana passada pelo IBGE, uma recuperação do nível de atividade, em 2021, tão forte como a que agora vem sendo apregoada. A sustentação da retomada exigirá a superação de dificuldades nada triviais que, desde já, deveriam merecer cuidadosa atenção. Há dúvidas cruciais sobre o que, de fato, terá de ser enfrentado pela economia no futuro próximo.

Como evoluirá a pandemia? O quadro já não parece tão alarmante como em abril. Mas o País ainda permanece num patamar médio de 1,7 mil mortes por dia, que continua a afastar ilusões sobre a proximidade do fim da pandemia. Os especialistas mais respeitados ainda não parecem convencidos de que o risco de uma terceira onda possa ser descartado. E, sem que a pandemia seja efetivamente debelada, é difícil que parte importante do setor serviços possa sair do marasmo em que se encontra.

Desastroso negacionismo inicial de Bolsonaro foi resultado da sua preocupação com a retomada da economia. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Surpreendidos com uma taxa de crescimento no primeiro trimestre bem superior à que vinha sendo consensual no mercado, analistas vêm saudando em prosa e verso a suposta resiliência da economia à segunda onda da pandemia e aos lockdowns impostos pelos governos subnacionais. A contrapartida da comemoração dessa resiliência, contudo, deveria ser apreensão com os efeitos que o desdém generalizado pelo distanciamento social poderá vir a ter sobre a evolução da pandemia.

Há ainda muita incerteza acerca das possibilidades de avanço da vacinação e do grau de imunização que tal avanço poderá assegurar ao País. Salta aos olhos quão atrasado está o Brasil no front da aplicação da vacina. E, quanto ao que esperar da vacinação, temos que ter em conta – por enquanto, pelo menos – não o que ocorreu nos Estados Unidos, mas a experiência bem menos auspiciosa do Chile, onde 80% dos imunizados vêm sendo vacinados com a Coronavac.

Outra dúvida crucial está relacionada à possibilidade de que a retomada seja abortada por insuficiência de oferta de energia elétrica. E, nesse aspecto, o governo se defronta com um dilema similar ao que enfrentou, de forma desastrosa, quando se deparou com a eclosão da pandemia, em março do ano passado. 

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Os especialistas são unânimes em assegurar que, se nada for feito em contrário, há alta probabilidade de que o País marche para uma crise hídrica aguda, até o final da estação seca, em novembro. Para não deixar que a situação chegue a tal ponto, é fundamental que o governo tome medidas preventivas claras, mobilizando o País com a necessidade de evitar uma crise energética mais séria.

O problema é que o governo teme que muito empenho e transparência, na adoção das medidas de precaução que se fazem necessárias, dê força a expectativas pessimistas que possam pôr a perder o delicado processo de retomada que está em curso. Qualquer semelhança com a postura do governo no início da pandemia não é mera coincidência. O desastroso negacionismo inicial de Bolsonaro não adveio de convicções baseadas em análises epidemiológicas equivocadas, e sim do pavor de que ações mais sérias de combate à pandemia, com adoção de medidas de separação social, viessem a arruinar a recuperação da economia em que apostava o presidente no seu segundo ano de mandato.

Finalmente, há de se ter em conta os efeitos paralisantes da rápida exacerbação da incerteza política sob a qual vem operando a economia. Incerteza essa que, por razões óbvias, se entrelaça com sérias apreensões com a possibilidade de agravamento do quadro fiscal, na esteira de uma mobilização antecipada e destrambelhada do presidente com a difícil campanha eleitoral que terá pela frente, em 2022. 

É cedo ainda para vislumbrar com clareza em que medida a conjunção dessas dificuldades tão sérias poderá vir a comprometer uma retomada mais vigorosa da economia. O certo é que a sustentação da retomada não promete ser fácil. 

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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Opinião por Rogério Werneck
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