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''Governo usou antibiótico para curar resfriado''

Para José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB, resultados da balança comercial assustaram governo

Por Adriana Chiarini e Renée Pereira
Atualização:

A exigência repentina de licenciamento prévio para importações não só poderá criar graves dificuldades para as exportações brasileiras como também ser questionada na Organização Mundial do Comércio (OMC). A medida, vista como protecionista, foi duramente criticada por especialistas. "Não sei se o custo-benefício vale a pena", avaliou o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto Castro. Ele acredita que os primeiros resultados da balança comercial neste ano devem ter assustado o governo. O que explicaria a intempestividade da medida. Conforme matéria publicada domingo pelo Estado, se o déficit acumulado até semana passada se repetisse esta semana, o País interromperia uma série de 93 meses de superávit consecutivos. Com a medida adotada na segunda-feira, as importações ficaram praticamente paralisadas até ontem. Isso tende a compensar a queda das exportações, podendo inclusive reverter o déficit para superávit em janeiro. "A questão psicológica pesa muito. O governo quer manter o otimismo, especialmente diante do mercado internacional", destaca Castro. "O governo usou um antibiótico de última geração para curar um resfriado. A não ser que eles estejam diagnosticando uma pneumonia." O ex-ministro da Economia e consultor Marcílio Marques Moreira, que é também embaixador aposentado, lembra que as medidas de licenciamento só são permitidas pela OMC como exceção e mediante condições como grave prejuízo ao balanço de pagamentos, o que não seria o caso do Brasil. "O País não pode alegar grave prejuízo na balança. A previsão para o saldo comercial no ano ainda é de superávit e o nível das reservas é alto", comentou Castro. Para o ex-ministro, o licenciamento deve ser questionado pela OMC "não tanto pela letra, mas pelo espírito da medida". "Depois de anos de superávit comercial, no primeiro momento de déficit, o governo adota barreiras", disse. Ele lembrou que na reunião do G-20, no ano passado, o Brasil se comprometeu a não tomar medidas protecionistas e agora está fazendo o contrário. "Dá a impressão de que o governo está sem rumo, desesperado", afirmou. Segundo Castro, o mesmo acordo da OMC citado pelo governo exige divulgação da exigência 21 dias antes da entrada em vigor da medida. O governo brasileiro só divulgou o licenciamento com a nota de ontem à tarde, um dia depois de passar a exigir a licença. Para Marques Moreira, o governo deveria ter feito no mínimo uma entrevista coletiva antes de adotar a medida. "Estamos já em uma crise grave, cheia de incertezas e o governo aumenta a incerteza pegando as empresas desprevenidas", disse ele. Os dois especialistas concordam também que a mera existência da licença já exige o aumento de estoques para as empresas dependentes de produtos importados. "Isso aumenta a incerteza. Se é preciso pedir licença, é porque ela pode ser negada", disse Marques Moreira. O ex-chanceler e presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Luiz Felipe Lampreia, falou com a reportagem antes da divulgação da nota do Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior que esclareceu a medida, e também concordou que o Brasil pode receber queixas da OMC. "Não do Mercosul, porque a Argentina está usando largamente isso, mas de outros países." Lampreia opina que "é preocupante a tendência de rápido crescimento do déficit comercial, mas adotar esse tipo de barreira é voltar 20 anos no tempo." FRASES José Augusto de Castro Vice-presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB) "A questão psicológica pesa muito. O governo quer manter o otimismo, especialmente diante do mercado internacional" Marcílio Marques Moreira Consultor e ex-ministro ''Estamos já em uma crise grave, cheia de incertezas, e o governo aumenta a incerteza pegando as empresas desprevenidas. Depois de anos de superávit, no primeiro momento de déficit, (o governo) adota barreiras"

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