Publicidade

Greves na França - lições para o Brasil

Por José Pastore
Atualização:

As greves de grandes proporções que atingiram a França nos últimos dez dias deixaram duas importantes lições para o Brasil. 1) Mudanças trabalhistas e previdenciárias só têm sucesso quando o governo lidera. Elas são percebidas como antipopulares quando os governantes não praticam uma boa pedagogia para convencer o povo. Mas esse não foi o caso de Nicolas Sarkozy, que, com argumentos objetivos, pôs os interesses da França acima de interesses eleitorais, tendo provado aos franceses por "a + b" a necessidade de acabar com privilégios nas regras previdenciárias. Nada justifica que um transportador público se aposente com 37,5 anos de contribuição, quando os demais cidadãos têm de contribuir por 40 anos. Bem diferente tem sido a conduta do presidente Lula nesse campo. No discurso, ele mostrou valentia. Mas, na prática, se resumiu em instalar um Fórum da Previdência que, depois de nove meses de gestação, nada pariu, sem tocar nos privilégios atuais. O que justifica uma aposentadoria precoce para as mulheres, se elas vivem mais do que os homens? O que explica uma aposentadoria antecipada para professores, se o seu trabalho é muito mais leve do que o dos mineiros? Por que aposentar os trabalhadores do campo com menos tempo, se a vida média entre o rural e o urbano é praticamente a mesma? Esses temas dão desgaste eleitoral quando o governante não se dispõe a explicar sua gravidade à população. Essa é a diferença entre o estadista responsável e o governante eleitoreiro. O primeiro pensa na Nação. O segundo pensa na eleição. 2) Uma outra lição que se pode tirar da conduta de Nicolas Sarkozy diz respeito à importância de não recuar no primeiro embate. Reformas sociais exigem persistência. Margareth Thatcher trabalhou 11 anos para introduzir as mudanças que recolocaram a Inglaterra no caminho do trabalho. Assim fizeram também Felipe González e José Maria Aznar na Espanha. Recuar na primeira dificuldade é fracasso na certa. Assim foi com Jacques Chirac em 1995, quando desistiu das mudanças previdenciárias por força de protestos populares. Fracassou novamente em 2006, ao recuar de uma lei que facilitaria o primeiro emprego. No Brasil, o presidente Lula prometeu a organização do Fórum Nacional do Trabalho para, na base do tripartismo, chegar a uma proposta de reforma trabalhista. Boa idéia! As centrais sindicais, antes da instalação do Fórum, se opuseram à reforma trabalhista. Lula recuou, substituindo a reforma trabalhista pela reforma sindical. Depois de três anos e meio de trabalho, não saiu nem uma nem outra. Nem mesmo as mudanças tópicas foram realizadas. Por exemplo, a cada anúncio sobre a lei de greve dos servidores públicos, Lula recuou por pressão dos sindicalistas. Precisou o Supremo Tribunal Federal (STF) encontrar uma meia-sola para pôr um pouco de ordem nesse campo. O mesmo ocorreu com a terceirização. Por causa da oposição das centrais sindicais, Lula retirou do Congresso Nacional um projeto de lei que estava pronto para ser aprovado - sem colocar nada no lugar. Nicolas Sarkozy está à frente de projeto nacional de grande dimensão e que é essencial para tirar a França da rabeira do dinamismo na União Européia. A carga tributária (50% do PIB) é uma das mais altas da região. O crescimento de 2,2% ao ano é pífio. O déficit público mantém-se acima do permitido pela União Européia (3%). A Previdência Social tornou-se inviável por causa das regalias de poucos. O desemprego gira em torno de 8,5%. O seguro-desemprego come uma preciosa parcela dos recursos públicos. Os problemas dos migrantes desassistidos se misturam com as periferias pobres, num permanente barril de pólvora. Se nada for feito, a França, no longo prazo, estará bem pior do que hoje. O mesmo ocorrerá com o Brasil. Estamos perdendo uma oportunidade de ouro para fazer as reformas estruturais neste momento em que a economia vai bem, com inflação controlada, dívida externa resolvida e mercado internacional comprador. Mas, sem liderança, nada pode ser feito. Oxalá o presidente Lula tome consciência disso e aproveite a sua alta popularidade (o capital político não é eterno) para explicar à Nação a necessidade das reformas, liderando-as, efetivamente, para, assim, encerrar o seu segundo mandato como um verdadeiro estadista. *José Pastore é professor da FEA-USP. Site: http://www.josepastore.com.br

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.