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Greves que geram danos à população

Por SÉRGIO AMAD COSTA
Atualização:

Não se fazem greves porque as leis autorizam ou não autorizam a sua deflagração. Porém, quando o ordenamento jurídico não trata adequadamente essa matéria, a bagunça se instaura no campo trabalhista. É esse o caso de muitas greves no setor público. Cumpre lembrar que a Constituição de 1988, no artigo 37, inciso VII, definiu que o direito de greve dos servidores públicos será exercido nos termos e limites estabelecidos em lei complementar. Dez anos depois, a Emenda Constitucional n.º 19, de 1998, determinou que a regulamentação do direito de greve no setor público deve ser feita por intermédio de lei específica. Desde aquela época até hoje, em meio a vários projetos de lei sobre a matéria em questão, nenhum foi aprovado pelo Legislativo. Diante dessa ausência de regulamentação, não raro, o que tem sido aplicado na esfera do setor público para dirimir movimentos paredistas é, com algumas adaptações, a Lei n.º 7.783 de 1989, que disciplina a greve no setor privado. A ocorrência de greves na área pública não é um acontecimento esporádico, para ser assim tratado com tanta negligência. Pelo contrário, elas se tornaram uma constante no País e seu número cresce a cada ano. Basta ver o período recente, nos registros do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): em 2009 ocorreram 251 greves na área pública; em 2010, 269; em 2011, 325; e em 2012, 409. Vale destacar também que a quantidade de greves de servidores tem superado a de empregados do setor privado, como ocorreu em 2011 e em 2012. E em todos os anos os números de horas paradas no trabalho, em razão das greves, é muito superior ao registrado nas paredes do setor privado. Quanto ao prolongamento do número de horas, isso se deve também à falta de regulamentação da lei de greve e às negociações serem muito complexas, envolvendo várias instâncias de poder. O fato de essas paredes na área pública estarem sendo dirimidas tendo como referência a lei do setor privado faz com que se tratem de forma igual situações bem distintas. A greve na área privada atinge questões que não envolvem a sociedade como um todo. Já no caso das paralisações no setor público, a população é sempre prejudicada. Não se pode esquecer de que é a própria população que paga os impostos para sustentar a prestação dos serviços que deixa de receber quando ocorre a parede. Além do mais, as características dos que trabalham no setor público são bem diferentes das dos que são empregados no setor privado. Os contratos de trabalho, os direitos e deveres, em termos trabalhistas, não são os mesmos. Embora o Brasil, em 2010, tenha ratificado a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a livre negociação para os servidores públicos, ela, por si só, não resolve o problema. A própria convenção determina que as nações é que devem regular as negociações na área pública, inclusive salientando as atividades essenciais que põem em risco a população. Assim, urge a promulgação de uma lei que estabeleça claramente os limites das greves no setor público. Entre outras definições, que ela determine o quantitativo mínimo de servidores que deverão trabalhar durante a paralisação e quais são os serviços essenciais. A meu ver, alguns serviços públicos não deveriam parar em hipótese alguma, como, por exemplo, transporte coletivo, fornecimento de energia, segurança, abastecimento de água, assistência médico-hospitalar, defesa civil, telecomunicações e serviços judiciários. As aspirações de servidores do governo não podem sobrepor o bem comum, ou seja, o interesse público. Mas a ausência de regras claras sobre as paredes no aparelho estatal faz com que os direitos dos usuários dos serviços públicos, a sociedade, sejam relegados pelos paredistas. E as paralisações, nesse setor, são estimuladas, ao contrário do que ocorre na área privada, porque os riscos são quase inexistentes para os grevistas. Fácil assim.* É professor de recursos humanos e relações trabalhistas da FGV-SP

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