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Ex-gestores do IBGE apoiam novo Censo 2020

Em carta aberta, grupo defende mudanças criticadas por outro grupo há duas semanas

Por Daniela Amorim (Broadcast) e Vinicius Neder
Atualização:

RIO - Um grupo de sete ex-presidentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta segunda-feira, 29, uma carta aberta defendendo o trabalho da atual diretoria do órgão em torno do Censo Demográfico de 2020. O texto, assinado por ex-presidentes como o economista Edmar Bacha (de 1985 a 1986), um dos criadores do Plano Real, e Simon Schwartzman (de 1994 a 1999), defende a redução do questionário do Censo.

Edmar Bacha, um dos formuladores do Plano Real Foto: Marcos Arcoverde/Estadao

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“Não procede, como às vezes tem sido dito, que redução do tamanho dos questionários do Censo significaria a perda irreparável de séries históricas sobre diferentes características da população”, diz a carta.

Em meio a um cenário de restrições orçamentárias, o questionário básico do Censo 2020 – aplicado em todos os domicílios brasileiros – foi enxugado de 37 perguntas previstas na versão piloto para 25 questões. No Censo de 2010, havia 34 perguntas. Já o questionário completo, aplicado numa amostra que equivale a 10% dos domicílios, foi enxugado de 112 para 76 perguntas. No Censo 2010, o questionário mais abrangente tinha 102 questões.

O corte nos questionários foi defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e vem sendo comandado pela presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra. O trabalho está sendo conduzido pelo diretor de pesquisas do IBGE, Eduardo Rios-Neto, indicado para o cargo em maio.

Críticas

Os cortes nos questionários foram criticados pelo corpo técnico do IBGE. Pelo menos cinco funcionários pediram afastamento de cargos de chefia por oposição à medida. Ficaram de fora perguntas sobre renda, emigração internacional, migração regional, posse de bens de consumo, estado civil dos brasileiros, deslocamento para a escola e horas despendidas no trabalho, entre outros temas relevantes.

Segundo Schwartzman, um dos signatários da carta divulgada nesta segunda-feira, o Censo precisa de um orçamento mínimo, mas a redução dos questionários não é uma “tragédia” e o trabalho da atual direção “está sendo feito com o maior cuidado, por gente muito competente”. Para o ex-presidente do IBGE, a posição de parte do corpo técnico pode ser política. “O IBGE está tocando, o trabalho do Censo está andando. Houve certa politização ao redor disso, o que não se justifica”, disse Schwartzman.

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A carta – além de Bacha e Schwartzman, assinam Edson de Oliveira Nunes, Charles Curt Mueller, Eduardo Augusto Guimarães, Silvio Augusto Minciotti e Sérgio Besserman Vianna – sugere um racha entre ex-presidentes do IBGE. Duas semanas atrás, outro grupo, formado por cinco ex-presidentes – Eurico Borba, Eduardo Nunes, Wasmália Bivar, Paulo Rabello de Castro e Roberto Olinto –, defendeu, também em carta aberta, a manutenção do Censo conforme formulado pela equipe técnica do órgão.

A carta anterior sugere que houve improvisação no trabalho de redução dos questionários. “A atitude do atual governo, secundada por seu ministro da Economia e não refreada pela atual presidente do IBGE, tem sido de dúvida e de negação à capacidade de concepção e realização do Censo 2020 por este que é um dos órgãos de mais irretocável reputação e confiabilidade do Estado brasileiro”, dizia o texto, divulgado no dia 15.

Autismo

Para agravar as acusações de ingerência política no trabalho técnico, uma mobilização de parentes e entidades ligadas a pessoas com autismo ganhou o apoio da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e convenceu o presidente Jair Bolsonaro a sancionar sem vetos a Lei 13.861/2019, que determina a inclusão da coleta de dados sobre autismo no Censo 2020.

O IBGE informou que incluirá no questionário completo do Censo 2020 “uma ou mais perguntas sobre autismo” para cumprir a nova lei, dentro do bloco de perguntas sobre pessoas com deficiência. “Os técnicos do instituto estão estudando a melhor forma de abordar o tema no Censo 2020, bem como a quantidade de perguntas necessárias para garantir a melhor captação”, diz uma nota enviada pela assessoria de imprensa do instituto.

Leia a íntegra da carta:

O IBGE ante o Censo de 2020

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Como ex-presidentes do IBGE, temos acompanhado com interesse e preocupação a preparação do Censo Demográfico de 2020, que tem sido objeto de intensos debates e manifestações, relacionadas às restrições orçamentárias sofridas pela proposta inicial do Censo e à redução do número de perguntas dos questionários.

É importante que o IBGE possa contar com os recursos necessários para que a operação censitária seja realizada da melhor forma possível. Mesmo com as inevitáveis restrições financeiras, dadas pela conjuntura fiscal, esperamos que o Governo Federal e o Congresso Nacional garantam recursos suficientes para que o Censo não se inviabilize nem deixe de recolher informações essenciais para o conhecimento da realidade econômica e social do país e para a execução das políticas públicas nas diversas áreas do emprego, saúde, educação, planejamento urbano, e tantas outras.

Acreditamos também que o momento é oportuno para pensar qual é o papel do Censo Demográfico, e como ele pode ser modernizado para se tornar cada vez mais eficiente, confiável e factível no quadro de restrições financeiras em que vivemos.

O Censo Demográfico, realizado a cada dez anos, tem duas funções principais. A primeira é a de atualizar as informações demográficas mais gerais, sobre o tamanho e a dinâmica da população, que servem de base para as pesquisas amostrais realizadas permanentemente pelo IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua e outras. A segunda é a de levantar dados mais detalhados sobre pequenas unidades geográficas, necessários para a implementação de políticas públicas. Essas informações localizadas trazem duas dificuldades importantes: elas não podem ser pesquisadas com o nível de detalhe das pesquisas por amostragem e se tornam obsoletas em pouco tempo, dada a periodicidade decenal do Censo.

Por isso mesmo, a tendência que se observa internacionalmente é a de reduzir o tamanho dos questionários dos Censos Decenais, ao mesmo tempo em que se intensifica o uso de pesquisas amostrais, de registros administrativos e de análises de grandes agregados de informações produzidas por diversas fontes em tempo real, com uso das modernas metodologias de big data. É nesse sentido que nos parece que o IBGE precisa evoluir, de uma agência organizada para a coleta detalhada de informações para uma instituição modernizada capaz de produzir, compatibilizar e fazer uso de dados das mais diversas fontes.

Não procede, como às vezes tem sido dito, que redução do tamanho dos questionários do Censo significaria a perda irreparável de séries históricas sobre diferentes características da população. Instituições de pesquisa em todo o mundo estão sempre revendo e atualizando seus instrumentos de coleta de dados, e não faltam instrumentos aos pesquisadores para comparar informações obtidas em diversos momentos e por diversas metodologias. O questionário do Censo brasileiro tem sido diferente a cada década, e não se pode pretender que ele fique congelado no tempo.

A elaboração dos atuais questionários do Censo de 2020 - o geral, para todos, e o mais detalhado, para uma amostra de 10% da população, cerca de 22 milhões de pessoas - foi feita com a participação do Conselho Consultivo do Censo e consulta e participação de especialistas, e o IBGE tem realizado um trabalho importante, a merecer continuidade, de apresentar e discutir com diferentes setores das sociedade as razões e o alcance do que pretende obter. Temos acompanhado este processo, acreditamos que ele está no caminho certo, e conclamamos todos a apoiar o IBGE para que este trabalho possa levar a um Censo de alta qualidade, em tempo hábil, e dentro da realidade orçamentária em que vivemos. 

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Em 29 de julho de 2019 Edmar Lisboa Bacha Edson de Oliveira Nunes Charles Curt Mueller Eduardo Augusto Guimarães Silvio Augusto Minciotti Simon Schwartzman Sérgio Besserman Vianna

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