Guedes avalia PEC para renovar programas, como de corte de salários, sem acionar calamidade

Alternativa está sendo analisada pelo Ministério da Economia; Guedes vê risco de decretação de calamidade se transformar num 'cheque em branco' para despesas adicionais fora do teto de gastos

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Por Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli
4 min de leitura

BRASÍLIA - A equipe econômica começou a desenhar uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para delimitar o alcance da renovação dos programas de combate aos efeitos da pandemia de covid-19. Essa é uma alternativa em análise no Ministério da Economia para “carimbar” os créditos extraordinários necessários para bancar a nova rodada de ajudas às empresas e aos trabalhadores sem apertar o “botão” do estado de calamidade. 

O assunto é tratado reservadamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que vê risco de a decretação da calamidade se transformar num “cheque em branco” para despesas adicionais fora do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas acima da inflação, comprometendo as contas públicas. 

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Guedes vê risco de a decretação da calamidade se transformar num “cheque em branco” para despesas adicionais fora do teto de gastos. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Guedes já sinalizou que vai renovar o BEm, programa que permite às empresas reduzirem jornada e salário dos funcionários ou suspender contratos, com custo de cerca de R$ 10 bilhões para o pagamento do benefício que compensa parte da perda salarial. Segundo o governo, a medida ajudou a manter 11 milhões de empregos em 2020. A reedição do programa é uma demanda das empresas mais afetadas pelas medidas de isolamento social adotadas em todo o País para conter o avanço do novo coronavírus. 

O Pronampe, programa de crédito para micro e pequenas empresas, com garantia do Tesouro Nacional, também será renovado, com despesa calculada em cerca de R$ 4 bilhões pela equipe econômica. Esse volume de garantias, segundo uma fonte envolvida nas negociações, pode dar base à concessão de R$ 40 bilhões em novos empréstimos. Nos bastidores, porém, há quem defenda valor maior, de R$ 7 bilhões. 

Sem espaço no Orçamento normal, que passa por um impasse político-econômico por causa da maquiagem nas despesas obrigatórias, que foram subestimadas, as medidas de ajuda serão feitas por meio de créditos extraordinários, que ficam fora do teto de gastos. 

A PEC facilitaria a abertura desses créditos ao desobstruir o caminho hoje travado pelas regras fiscais, que continuam sendo um obstáculo para o lançamento da nova rodada dos programas. Não se trata apenas do dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, que exige compensação de aumento de receita ou corte de despesas para a criação de novos programas, mesmo que não sejam permanentes, um problema revelado pelo Estadão/Broadcast

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As despesas de créditos extraordinários são igualmente contabilizadas na meta de resultado primário das contas públicas, que precisaria ser mudada para acomodar um rombo maior decorrente desses gastos adicionais. Hoje, a meta fiscal é de déficit de R$ 247,1 bilhões em 2021. 

O mesmo ocorre com a chamada regra de ouro, norma constitucional que impede o Tesouro de usar recursos obtidos via emissão de dívida para bancar despesas correntes, como salários. O crédito extraordinário vai, na prática, ser pago via emissão de dívida, ampliando o rombo na regra de ouro. 

Há também um desconforto jurídico entre os técnicos do Ministério da Economia para editar os créditos extraordinários depois do Orçamento sancionado, já que “em tese” o Orçamento deveria ter dado uma reposta orçamentária para a pandemia. É que créditos extraordinários só podem ser editados em casos de imprevisibilidade e urgência. 

Guedes e seus auxiliares no Ministério da Economia consideram que, sem a PEC e com uma decretação de calamidade, há risco de se perder o controle dos gastos e chegar a mais de 8% do PIB em despesas, como em 2020. O ministro prefere que as injeções de recursos sejam “muito cuidadosas, efetivas e com foco nos programas que deram certo”. Na definição de um integrante da equipe econômica, os novos créditos precisam ser feitos “tudo com muito cuidado, calibrado e arrumadinho”. Outra alternativa em análise é decretação do estado de calamidade por um tempo menor. 

A delimitação do alcance de um programa em uma PEC já foi a estratégia adotada no caso do auxílio emergencial, cujo limite ficou fixado em R$ 44 bilhões. O texto exclui esse valor da contabilidade da meta de primário, do teto de gastos e da regra de ouro. No entanto, justamente por essa PEC ter sido recém-aprovada, consumindo capital político do governo junto ao Congresso, é que o assunto é tido como delicado. Ainda não há decisão final. Também pesa nessa equação o impasse no Orçamento de 2021 e a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, que dificultam as negociações. 

A PEC que permitiu a reedição do auxílio incluiu medidas futuras de ajuste fiscal e prevê o estado de calamidade, com acionamento de medidas compensatórias de corte de gastos, que incluem “gatilhos” como congelamento de salários de servidores. Na prática, porém, para o governo federal, o acionamento da calamidade em 2021 teria pouca eficácia pelo lado de contenção de gastos, uma vez que as remunerações do funcionalismo já estão congeladas até o fim deste ano.

AS TRÊS REGRAS FISCAIS

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O governo precisa cumprir três regras fiscais principais.

META FISCAL O resultado primário é calculado pela diferença entre as despesas do governo (com pagamento de pessoal, Previdência, custeio e investimentos) e as receitas com os tributos. Para este ano, o governo vai gastar mais que arrecadar - portanto, a meta permite um resultado negativo em até R$ 247,1 bilhões.

TETO DE GASTOS Criado no governo do ex-presidente Michel Temer, limita o avanço das despesas à variação da inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. De junho de 2019 a julho de 2020, esse índice ficou em 2,13%, porcentual que corrige o teto em 2020.

REGRA DE OURO Impede o governo federal de se endividar para pagar despesas correntes, como salários, Previdência Social e benefícios assistenciais. A exceção é se o Congresso conceder uma autorização especial para emitir dívida e usar esse dinheiro para pagar aposentadorias, salários e Bolsa Família. Para este ano, o governo precisaria de um crédito extra de R$ 444,1 bilhões. Com medidas como uso do lucro do BC, devolução antecipada da dívida do BNDES e desvinculação de superávit financeiro, o valor caiu para R$ 125,7 bilhões, segundo estimativa de fevereiro.