Guedes contesta números de desemprego e diz que IBGE está na 'idade da pedra lascada'

Ministro compara pesquisas diferentes - Pnad Contínua e Caged - para dizer que números do IBGE não refletem a realidade

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Por Bruno Villas Boas
5 min de leitura

RIO - Pouco após o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informar nesta sexta-feira, 30, que a taxa de desemprego ficou em 14,6% no trimestre móvel terminado em maio, com 14,795 milhões de desempregados, ainda nas máximas históricas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, atacou o órgão, subordinado à sua pasta. Guedes disse que o IBGE vive na “idade da pedra lascada”, ao criticar sua metodologia para retratar o mercado de trabalho.

Os números do IBGE mostram que o mercado de trabalho segue como uma das maiores preocupações da economia brasileira. O desemprego cresceu com mais pessoas em busca de uma ocupação, já que a evolução da população ocupada aponta para a criação de vagas, ainda que em ritmo insuficiente. Na critica, Guedes olhou apenas para os dados do emprego formal, divulgados pelo Ministério da Economia na quinta-feira, 29, apontando a geração de 1,5 milhão de vagas no primeiro semestre

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“A Pnad do IBGE está metodologicamente atrasada, é uma pesquisa feita pelo telefone. É muito superior a metodologia do Caged, que vem diretamente das empresas”, disse Guedes, após participar de evento na sede do ministério no Rio. “Ele (o IBGE) ainda está na idade da pedra lascada, baseado em métodos que não são os mais eficientes. Temos as informações diretas da empresa”, completou o ministro.

A assessoria de imprensa do IBGE disse que o órgão não comentaria a crítica, refutada por economistas especializados e ex-presidentes do instituto. Na crítica, o ministro comparou duas pesquisas diferentes. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) é um registro administrativo de demissões e admissões com carteira assinada – quando as contratações superam as dispensas, há criação de vagas. Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE, mapeia o emprego formal e informal e também o desemprego, que não é medido no Caged. Segundo a Pnad, o Brasil tem 34,712 milhões de trabalhadores informais, 40% do total.  

“A diferença é uma coisa muito óbvia, o Caged mede apenas o trabalho formal”, disse Simon Schwartzman, presidente do IBGE no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso.

Para Roberto Olinto, que presidiu o órgão de estatística do governo Michel Temer até o início do governo Jair Bolsonaro, a crítica de Guedes é “inaceitável”, “leviana” e não passa de uma “declaração política”, como outros “ataques” do governo federal a “instituições técnicas e científicas”. Segundo Olinto, o ministro cita o Caged porque os dados são mais positivos.

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“Voltamos à velha questão de quebrar o termômetro”, afirmou Olinto, ressaltando que “as comparações com o Caged são mais do que explicadas em estudos de dentro e de fora do IBGE”.

Guedes pegou carona num debate técnico sobre como a pandemia atrapalhou, de forma inédita, tanto o mercado de trabalho em si quanto a produção de informações sobre ele. Estudos de economistas especializados sugerem que, de um lado, a Pnad, ao passar a ser feita por telefone, pode estar subestimando o emprego formal e, de outro, o Caged pode estar superestimando a criação de vagas

O ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Os números do Caged podem sofrer influência dos programas de suspensão de contratos de trabalho, da falência e da hibernação de empresas durante a pandemia, o que pode levar a falhas na informação de desligamentos de funcionários, segundo economistas. No caso da Pnad Contínua, o próprio IBGE já reconheceu problemas e apontou as dificuldades de fazer as entrevistas por telefone, mas prometeu fazer ajustes, inclusive nas séries históricas

Só que isso não muda a percepção sobre as dificuldades do mercado de trabalho. A geração de empregos insuficiente vem mantendo o desemprego em níveis recordes. Segundo a Pnad, a taxa de desocupação de 14,6% no trimestre móvel até maio, com 14,795 milhões de desempregados, nas máximas históricas, sobe para 29,3%, incluindo desalentados (que simplesmente desistiram de procurar emprego) e subocupados (que trabalham menos do que gostariam). Está faltando trabalho para 32,946 milhões no País, o equivalente às populações de Angola ou da Malásia.

O desemprego se manteve em níveis recordes porque mais pessoas estão em busca de uma ocupação. Um ano atrás, a taxa de desemprego estava em 12,9%. Segundo Adriana Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, a alta se deve a uma particularidade da crise da covid-19. Num primeiro momento da pandemia, trabalhadores que perderam seus empregos, formais ou informais, ficaram em casa, sem procurar trabalho, por causa das restrições ao contato social. Pelas metodologias internacionais seguidas pelo IBGE, só é considerado desempregado quem busca emprego.

“Muitas pessoas, embora não estivessem trabalhando, não estavam procurando”, afirmou Adriana.

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Com a passagem do tempo, a flexibilização das medidas de restrição ao contato social e a necessidade de buscar renda levaram os trabalhadores a voltar ao mercado, buscando emprego ativamente. Ou seja, o desemprego não está nas máximas históricas por causa de mais demissões. Pelo contrário, a evolução da população ocupada aponta para a criação de 840 mil vagas, entre formais e informais em um ano. A expectativa de economistas é de que o desemprego recue no segundo semestre, com o avanço da vacinação favorecendo a retomada da atividade econômica, mas o País ainda deve conviver com níveis de desocupação altos por bastante tempo.

“À medida que a economia vai retomando, a demanda por emprego aumenta, mas a volta da atividade econômica também gera um aumento da demanda por parte dos trabalhadores. Tem um período no qual a taxa vai ficar basicamente parada e, daqui a pouco, ela começa a cair”, disse José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, prevendo a queda da taxa de desemprego a um nível entre 12,5% e 13% no fim de 2021.

Apesar do cenário de melhora gradual, o total de ocupados ainda aponta para o corte de 7,7 milhões de vagas na comparação com o quadro anterior à pandemia. Na virada de 2019 para 2020, o total de ocupados oscilava entre 94 milhões e 94,5 milhões. Agora, são 86,7 milhões. Em nota, o economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, previu que a população ocupada só deverá retornar ao nível pré-pandemia no terceiro trimestre de 2022.

Daniel Xavier, economista-sênior do banco ABC Brasil, também vê a redução do desemprego como um movimento gradual. Para o ano que vem, por exemplo, ele estima uma taxa de desocupação de 12,5% no último trimestre e média do ano em torno de 13%. A economista Lisandra Barbero, do Banco Original, espera taxa de desemprego média de 14,0% em 2022. Ela está mais pessimista porque o avanço da vacinação e a reabertura da economia podem levar o crescimento do número de trabalhadores em busca de emprego a um ritmo superior ao da geração de vagas. / COLABORARAM GUILHERME BIANCHINI E CÍCERO COTRIM

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