19 de agosto de 2021 | 17h39
BRASÍLIA - Depois da má reação à proposta de parcelar o pagamento de precatórios no ano que vem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, se a mudança não for aprovada, não haverá verba suficiente para fazer rodar a máquina pública e que até recursos para pagamento de salários dos servidores vão faltar.
“Se precatório não passar, vamos mandar orçamento de R$ 90 bilhões [para 2022] e vai faltar dinheiro para pagamentos até de salários. Se não descumprir uma lei, descumprimos outra”, disse o ministro, durante audiência pública da Comissão de Relações Exteriores do Senado nesta quinta-feira, 19.
Se não lidarmos bem com problema dos precatórios vai ser muito pior, diz secretário de Guedes
Salários do funcionalismo são despesas obrigatórias do governo federal, assim como os benefícios da Previdência. Antes de cortá-las, seria preciso antes tesourar outro tipo de gasto, chamado de discricionário, e que envolve gastos da máquina pública e investimentos.
Na semana passada, o governo enviou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com mudanças para o pagamento das despesas advindas de sentenças judiciais, que chegam a R$ 89 bilhões no ano que vem. Entre as medidas está o parcelamento das dívidas acima de R$ 66 milhões em até dez anos.
Guedes fez coro às ameaças de sua equipe de “parcelamento ou nada”. Na quarta-feira, 18, o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, disse que, se não for parcelado, o crescimento dos precatórios comprometerá praticamente todos os programas em 2022, incluindo a compra de vacinas para a aplicação da terceira dose contra a covid-19 e o pagamento de emendas parlamentares, caso o pagamento das dívidas judiciais não seja modificado. “Não posso quebrar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e nem a do teto (de gastos), então tenho que oferecer alternativas”, completou o ministro.
O analista do Senado e especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro disse que a ameaça do ministro de não ter dinheiro em caixa para o pagamento de salários “não se sustenta”. “Isso é uma narrativa política que não faz sentido do ponto de vista técnico. Ele [Guedes] coloca como se não fosse ter caixa, mas o governo federal tem dinheiro para pagar, até porque, diferentemente de Estados e municípios, pode emitir dívida”, explica.
Ele ressalta que o que limita os gastos do governo são regras fiscais, como o teto de gastos, e que a equipe de Guedes deveria estar focada em uma “solução estrutural” para as dificuldades orçamentárias. “Há uma questão estrutural, dentro de um contexto de regras fiscais, que o governo tem que fazer a sua parte e mostrar o que será feito”, afirmou.
Ribeiro acrescenta que o governo aproveitou a PEC dos precatórios para colocar essas despesas fora do teto de gastos, o que mostra que não há comprometimento com a regra que limita o as despesas federais. “A PEC dos precatórios promove várias mudanças que refletem em regras fiscais, o que o governo quer com isso? É preciso que isso fique mais claro”, afirma.
Guedes também falou que seria “um erro” não aprovar outro projeto enviado pelo governo e que encontra resistência no parlamento: a reforma do Imposto de Renda. Nesta semana, a votação foi adiada na Câmara dos Deputados por falta de acordo, mesmo após muitas concessões que fizeram ala do próprio Ministério da Economia apontar que a reforma "já não se paga". “Mandamos o segundo capítulo da reforma tributária, se não for aprovada, não tem problema, paramos. Mas é um erro, um equívoco”, afirmou Guedes.
No Senado, Guedes voltou a defender a redução da tarifa de importação do Mercosul. O ministro da Economia disse que o momento econômico brasileiro é ideal para isso porque há aumento de preços no mercado interno e a entrada de produtos com preço menor ajudaria a reduzir a pressão inflacionária. Além disso, a arrecadação de tributos está em alta, o que facilita o poder público abrir mão dos impostos.
“Não há hora melhor para abertura do que em momento em que há pressão de preços. O momento de abrir não é quando está em recessão. Agora economia está crescendo, arrecadação está aumentando”, afirmou.
Como antecipou o Estadão/Broadcast, o Brasil, com o apoio do Uruguai, vem negociando a redução da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, que é a taxa cobrada na importação de produtos de fora do bloco. No primeiro semestre, o Brasil propôs reduzir a TEC em 10% imediatamente e mais 10% no fim deste ano. A Argentina, contrária à redução linear, aceitou um corte de 10%, limitado a 75% da pauta comercial, o que o Brasil achou insuficiente.
“Já gostaríamos de ter reduzido as tarifas do Mercosul. Nossa missão é modernizar o Mercosul para maior integração com a economia mundial”, afirmou Guedes, ressaltando que a proposta do governo brasileiro é fazer uma “abertura gradual”, que não prejudique os produtores locais.
“Não podemos abrir num ritmo que o sistema produtivo brasileiro não resista. Estamos fazendo reforma tributária, aumentando a competitividade da economia brasileira para dar continuidade à integração com outros países”.
Depois de o gerente de Políticas de Integração Internacional da entidade, Fabrízio Panzini, apresentar dados contrários à proposta do governo brasileiro de reduzir as tarifas de importação, Guedes elevou o tom e disse que os estudos da entidade são “financiados com encargos trabalhistas”.
“A CNI vive de encargos trabalhistas e ainda acredita que está defendendo a indústria brasileira. Já pedi para reduzir encargos trabalhistas, mas a CNI é contra porque é com encargo trabalhista que CNI financia seus estudos”, alfinetou.
Para Guedes, a entidade tem “boicotado” as propostas de reformas tributárias enviadas ao Congresso Nacional e também em várias outras áreas. Ele citou o que seriam obstáculos do empresariado a mudanças no ICMS, na reforma tributária, setor elétrico e no marco regulatório do saneamento básico. “Boicotar as reformas não é bom para ninguém, nem para a indústria. Apenas para a CNI, que é uma entidade corporativa”, bateu. O representante da CNI deixou a audiência sem responder ao ministro.
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