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Guedes parece ter raiva da Pasta que chefia, diz presidente do sindicato dos auditores da Receita

Segundo Kleber Cabral, reajuste salarial concedido a policiais federais foi viabilizado com corte de metade das verbas da Receita, que, se mantido, poderá afetar o funcionamento do órgão no ano que vem

Foto do author Eduardo Gayer
Por Guilherme Pimenta e Eduardo Gayer
Atualização:

Em queda de braço com o governo, o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kleber Cabral, critica a atuação do ministro da Economia, Paulo Guedes, à frente da Pasta. Segundo ele, Guedes "parece ter raiva" do ministério. De acordo com ele, Guedes não defendeu os servidores que são vinculados à sua Pasta, ao contrário do ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que conseguiu reajuste para os policiais federais no Orçamento de 2022

Segundo o líder sindical, o agrado às categorias de segurança foi viabilizado com corte de metade das verbas da Receita, que, se mantido, poderá afetar o funcionamento do órgão no ano que vem. Protagonistas da revolta do funcionalismo com o Orçamento aprovado pelo Congresso, com direito a paralisação e entrega em massa de cargos de chefia e "operação padrão" desde segunda-feira, auditores fiscais da Receita têm duas reivindicações para o governo: a recomposição de cortes no órgão previstos na peça chancelada pelo Parlamento e a formalização do chamado bônus de eficiência variável.

Kleber Cabral, presidente do Sindifisco; para representante dos auditores, Paulo Guedes não defendeu os servidores que são vinculados ao Ministério da Economia Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado - 9/3/2018

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O bônus de eficiência para servidores da Receita hoje é fixo e custa R$ 720 milhões por ano. Caso se torne variável - o que teria sido acordado com o governo e seria oficializado no Orçamento e em decreto, na versão do sindicato -, teria variação de R$ 300 milhões para cima ou para baixo. Por isso, o Orçamento precisaria prever o teto desse possível gasto.

Leia os principais trechos da entrevista:

Os auditores da Receita Federal se sentem desamparados pelo ministro Paulo Guedes?

O ministro Guedes parece que tem raiva do ministério que comanda e não tem nenhuma sensibilidade para a importância da Receita Federal. Ele comemora os resultados de arrecadação todo mês, mas isso não tem se transformado em um apreço real pelo nosso trabalho. Talvez ele enxergue só a fiscalização, de oprimir o empresário. Na hora de dividir o Orçamento, o Ministro da Justiça defendeu a área, e o nosso, o contrário. Não estamos revoltados com o reajuste da polícia. É ótimo que eles tenham o ministro da Justiça que trabalhe para valorização deles. A gente queria ter um ministro igual. E a gente tem um ministro que trabalha na direção oposta. A Receita Federal ficou mal enquadrada no Ministério da Economia. A Receita é mais uma das secretarias especiais. Não existe arrecadação espontânea. Arrecadação não cai do céu, é induzida pela presença do órgão.

Por que a entrega dos cargos dos auditores da Receita ainda não foi formalizada no Diário Oficial da União?

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Quem exonera, geralmente, é a cúpula da Receita, que são secretários e superintendentes, e esses não entregaram os cargos - com exceção do superintendente de Belém. O secretário da Receita e os superintendentes vão segurar isso, pois não querem demonstrar que estão perdendo o controle do órgão, mas estamos pressionando para que isso se concretize.

Há previsão de quando as exonerações serão publicadas?

Não temos. Houve reunião com o [ministro da Casa Civil,] Ciro Nogueira. Havia uma expectativa de ele trazer alguma coisa concreta, mas não trouxe. Esperamos publicação no Diário Oficial de quem deixou o cargo nas delegacias e quem está abaixo delas.

Quem está deixando o cargo poderá retomar o posto depois, quando a situação normalizar?

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Depende, pois não há mandato nesses cargos. A situação mais delicada é no Carf (última instância para recorrer de autuações do Fisco), pois além de entregar os cargos, os auditores estão renunciando aos mandatos. Eles estão pressionando para que a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, suspenda as sessões.

Por que os nomes dos conselheiros do Carf que entregaram os cargos ainda não foram divulgados?

Sempre há um apelo para outros conselheiros renunciarem, por isso que a lista ainda não foi divulgada. E, além disso, lá é mais delicado, pois os chefes, ao serem exonerados, voltam para a unidade de origem. No Carf eles também saem da unidade, e isso está gerando delicadeza no trato. E também acho que a presidente vai querer segurar, pois o efetivo que saiu representa quase metade dos conselheiros representantes da Receita que atuam no Carf. Esperamos que ela leve isto ao Guedes e que pressione para uma solução.

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As demandas do sindicato hoje são a reparação do corte e a questão do bônus de eficiência? Há uma demanda de reajuste salarial?

Não há demanda de reajuste salarial. Como a gente tem pendência antiga, transformar a gratificação em variável, há a expectativa de que ela varie para cima, mas isso não é reajuste. Haverá um comitê gestor, externo à Receita, que vai criar índices, que terão de ser alcançados.

Não é a lógica do penduricalho do serviço público?

Não. É o salário, mas uma parcela do salário vinculada ao alcance de resultados. Sempre buscando meritocracia e eficiência maior para a sociedade. É um modelo mais moderno.

Como o Sindifisco vê o futuro da mobilização?

A gente lida com um governo que não segue a lógica. O corte foi tão surreal que a gente imagina que isso vai ter que ser corrigido, mas não é simples porque o Congresso está fechado. O que o governo pode fazer hoje é assumir um compromisso de reconstruir o orçamento da Receita. E precisa dizer de onde vai tirar. Tem R$ 16,5 bilhões na emenda de relator (o "orçamento secreto") e quase R$ 5 bilhões de fundão eleitoral. Nós somos o órgão que arrecada e controla o comércio exterior do País. Não faz sentido esticar a corda nesse setor. Embora nossa mobilização não tenha prazo para acabar, a gente espera que em duas semanas as coisas começam a ganhar racionalidade. Se fosse razoável cortar esse orçamento da Receita, a gente teria resolvido internamente. O orçamento do órgão não tem gordura nenhuma. O cidadão comum não vai se incomodar se a gente parar de fiscalizar, fazer cobranças, controle de arrecadação. Mas o governo vai sentir.

É factível prejudicar a população nessa mobilização, no meio de uma crise econômica, tendo em vista que um salário de auditor da Receita pode chegar a R$ 30 mil?

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Temos esse drama sempre, do País desigual, e ninguém pode ser insensível a isso. Mas dentro do próprio serviço público, os fiscais dos Estados e municípios deixam a Receita Federal lá atrás em qualquer ranking. Há situações no Judiciário com salários altos, na AGU. Nosso salário pode chegar a R$ 30 mil no bruto e líquido de R$ 21 mil. Mas temos um acordo salarial de 2016 que estabelece que o bônus de eficiência é variável, e é isso que a gente pleiteia. Num orçamento de R$ 1,7 trilhão, não dá para encaixar R$ 300 milhões de um suplemento que nem é reajuste? Parece mais uma má vontade política do que grana mesmo.

Caso o orçamento da Receita não seja recomposto, como o contribuinte será afetado?

No ano de 2019, a Receita tomou um tombo no orçamento. A Receita encolheu a estrutura, fechou diversas unidades, delegacias viraram agências e outras agências desapareceram. Estamos sem concurso desde 2014. É um órgão que vem encolhendo. O governo vai sofrer com a arrecadação, e a moral da tropa está muito abalada. É um grito de coisas acumuladas há muito tempo. Se o orçamento não for reconstruído, o órgão que arrecada e controla a aduana pode sofrer um apagão importante. E isso gera um efeito dominó.