PUBLICIDADE

Publicidade

Guedes troca farpas com ministro argentino em reunião: 'maior parte dos Nobéis foi para Chicago'

Encontro entre ministros do Mercosul terminou sem acordo para reduzir tarifas e facilitar as negociações comerciais externas; autoridades discutiram até mesmo por conta de conceitos básicos da economia

Foto do author Lorenna Rodrigues
Foto do author Felipe Frazão
Por Lorenna Rodrigues (Broadcast) e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - A reunião de ministros do Mercosul terminou nesta segunda-feira, dia 26, sem acordo para reduzir tarifas e facilitar negociações comerciais externas, mas com novas trocas de farpas entre eles. O encontro de quatro horas de duração teve momentos de tensão e até discussão com referências a teóricos econômicos, entre os representantes de Brasil e Argentina. Os uruguaios também se indispuseram com os argentinos.

PUBLICIDADE

Os ânimos se exaltaram quando os argentinos, que presidem o bloco no momento, intensificaram críticas a duas propostas de flexibilizar regras do Mercosul defendidas por Brasil e Uruguai. Houve respostas em tom provocativo entre os ministros da Economia do Brasil, Paulo Guedes, e da Argentina, Martín Guzmán. Guzmán criticou a defesa do livre mercado – princípio caro aos liberais, como Guedes.

“A mão invisível do mercado de Adam Smith é invisível porque não existe”, provocou o argentino, segundo relatos. A declaração irritou Guedes, que retrucou dizendo conhecer os economistas que Guzmán cita. “Mas mais da metade dos Prêmios Nobel foram economistas da Universidade de Chicago que ganharam”, rebateu, em referência à faculdade liberal onde o brasileiro também estudou.

Reunião evidenciou diferença que existe entre os ministros do Mercosul, a começar por Guedes. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Um negociador do Brasil relatou ao Estadão que houve um debate franco e aberto entre os ministros. E que a discussão foi ainda mais intensa com os uruguaios. Esse observador afirma que as diferenças políticas entre os quatro governos têm ficado cada vez mais afloradas no Mercosul.

O clima no bloco já vinha ruim nos últimos meses e a reunião desta segunda reproduziu os atritos entre Montevidéu e Buenos Aires. Em março, uma cúpula entre os chefes de Estado do Mercosul também terminou com indisposições no mais alto nível político.Os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e da Argentina, Alberto Fernández, protagonizaram o embate. Na ocasião, Lacalle Pou fez um discurso duro em que defendeu a flexibilização do bloco para que este não seja um “peso para os seus membros”. “Terminemos com essas ideias, num momento em que a unidade tanto nos importa. Não queremos ser um lastro para ninguém, se somos um lastro, que tomem outro barco”, rebateu Fernández.

Sem consenso

Pelas regras do Mercosul, qualquer mudança precisa do aval dos quatro países para ocorrer. Até agora, porém,apenas a Argentina resiste à proposta de reduzir imediatamente em 10% a Tarifa Externa Comum (TEC), que é cobrada na importação de produtos de fora do bloco. Outros 10% seriam reduzidos no fim do ano, conforme a ideia encampada e considerada "urgente" pelo Brasil. Uruguai e Paraguai estariam alinhados a Brasília, formando um placar de 3 a 1, ainda insuficiente para aprovar a redução.

Publicidade

Além de rejeitar a proposta do Brasil, a Argentina apresentou uma alternativa, considerada mais complexa e que pode atrasar um acordo. A ideia é que cada país escolhesse alguns setores econômicos e produtos para reduzir tarifas. Porém, negociadores dizem que o Brasil "tem pressa" para concluir as conversas iniciadas há dois anos. Ciente da pressão do Palácio do Planalto, o governo argentino sinalizou disposição de negociar e indicou que pode apresentar uma proposta mais similar à brasileira, segundo diplomatas a par das tratativas.

Já a proposta de flexibilizar as regras do bloco para permitir que os membros negociem acordos comerciais com outros países bilateralmente teve a oposição dos argentinos e também do Paraguai. Neste caso, o Uruguai é quem propõe o debate, com apoio do Brasil para avançar nas discussões. Mas a formalização de regras nesse sentido é considerada mais complicada pelos negociadores.

"A reunião foi importante para que as posições dos países fossem colocadas com clareza e em detalhes. Para o Brasil, é importante avançar com a reforma da TEC e dar impulso à discussão das flexibilidades de negociação", disse o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas.

As discussões dos dois temas serão retomadas pelos coordenadores dos países e um novo encontro de ministros será agendado pelo governo argentino. A intenção da Casa Rosada é promover um evento presencial. Diplomatas brasileiros avaliam como positiva a disposição de conversar sinalizada pelos argentinos. Mas integrantes da Economia adotam tom mais duro nas negociações e a expectativa geral do governo Jair Bolsonaro era de que se chegasse a uma conclusão já nesta segunda-feira, o que se frustrou.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nas últimas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário de Comércio Exterior, Roberto Fendt, deram declarações com um “ultimato” em que consideraram o encontro um prazo final para que o bloco comece a flexibilizar essas regras. De acordo com fontes do governo brasileiro, com a marcação de uma nova reunião para daqui a um mês, ainda será analisada qual a estratégia o Brasil deve adotar. Fontes do Itamaraty, porém, descartam que o governo acione medidas unilaterais contra os sócios do Mercosul. A diferença de tom entre as equipes econômica e diplomática faz parte das estratégias de negociação.

Na última sexta-feira, dia 23, em evento no Senado para comemorar os 30 anos do Mercosul, Guedes disse que o Brasil passa por um momento decisivo de reavaliação do bloco e defendeu a redução imediata da TEC. “Para o Brasil, é importante reduzirmos. Fizemos uma proposta de reduzirmos em 10%, ou seja, baixar a tarifa de um determinado produto de 30% para 27%. Isso não machuca ninguém, é só para mandar um sinal de que não estamos fechando a economia”, afirmou. No fim de março, Fendt já havia dito que o Brasil não poderia ficar amarrado à Argentina e que encara o Mercosul como “anacrônico” aos interesses de seus quatro membros.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.