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Guerra comercial levará mundo a 'profunda recessão', diz OMC

Trump indicou que iria elevar a tarifa de importação de aço e governos alertam sobre uma eventual retaliação; para diretor da OMC, 'olho por olho deixará todos cegos'

Por Jamil Chade e correspondente
Atualização:

GENEBRA - O Brasil se uniu a um grupo de outras 37 economias para protestar nesta segunda-feira na Organização Mundial do Comércio contra os planos do governo de Donald Trump de impor novas tarifas contra a importação do aço. Diplomatas brasileiros, assim como todas as demais economias, fizeram um "pedido" para que a Casa Branca desista de sua decisão, sob o risco de fazer eclodir respostas e retaliações com “sérias consequências”. 

 A pressão foi solenemente ignorada pelos americanos nas reuniões diplomáticas, que simplesmente não tocaram no assunto das barreiras e preferiram falar de pesca e outros temas marginais. 

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Roberto Azevedo, diretor-geral da OMC Foto: Gian Ehrenzeller/Keystone via AP

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Num alerta atípico, a direção da OMC apontou que se o mundo optar por aplicar tarifas e retaliações, a economia global corre o risco de entrar em uma “recessão profunda”. Não por acaso, os esforços nos bastidores estão sendo para tentar impedir que Trump va adiante com o plano. 

Na semana passada, Trump indicou que planeja elevar a tarifa de importação de aço e alumínio em 10% e 25%. O que ainda preocupa é que, para justificar o protecionismo, a Casa Branca alegou motivos de segurança nacional. O anúncio levou vários governos a alertar sobre uma eventual retaliação, inclusive com a decisão da Europa de aplicar respostas contra produtos de alto perfil dos EUA avaliados em € 3,5 bilhões.

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Por enquanto, a queixa dos governos não ocorre na forma de uma disputa comercial nos tribunais da entidade. Mas governos de todo o mundo aproveitaram uma reunião em Genebra para alertar ao governo americano sobre os riscos da decisão que estão prestes a tomar e fazer ameaças. 

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Nesta segunda-feira, Bruxelas voltou a fazer o alerta. Para o bloco, os motivos para a aplicação das barreiras são “ilegítimos”. “Esperamos que sejam repensados”, afirmou. Mas a UE não hesitou em fazer ameaçados. Se tal proposta for adiante, Bruxelas deixou claro que vai adotar medidas que “não interessaria a ninguém”.

Bruxelas, nos bastidores, indicou ainda que irá iniciar consultas para tentar organizar uma queixa comum entre as principais economias do mundo contra os EUA. 

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As ameaças também vieram do Canadá, o maior parceiro comercial americano. Ottawa alertou que as medidas são “inaceitáveis” e que irá responder com medida para “defender seus trabalhadores”.

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 A China foi ainda mais explícita. “Todos sentimos o cheiro de uma guerra comercial”, alertou. Pequim indicou que apenas os tribunais da OMC poderiam impedir “retaliações terríveis”. O problema, segundo os chineses, é que esses tribunais estão minados por uma recusa justamente do governo americano em aceitar a nomeação de novos juízes. 

Olho. Diante da paralisia dos tribunais de sua organização e do risco de uma proliferação de medidas protecionistas, o brasileiro Roberto Azevedo, diretor-geral da OMC, tomou a palavra para alertar aos governos sobre o impacto negativo que uma guerra comercial teria. “Uma vez que entremos nesse caminho, será muito difícil reverter a direção”, disse Azevedo. “Olho por olho deixará todos nós cegos e o mundo em uma profunda recessão”, afirmou. 

 “Temos de fazer todos os esforços para evitar ver o primeiro dominó cair. Ainda há tempo”, disse o diplomata. “Tenho dito por algum tempo ainda que, ainda que o ambiente comercial tenha mostrado sinais de recuperação recentemente, ainda existem incertezas e riscos que não podem ser ignorados”, afirmou. 

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 “Diante dos recentes anúncios sobre medidas de política comercial, está claro que vemos um risco muito maior e claro de iniciar uma escala de barreiras comerciais pelo mundo”, insistiu Azevedo. “Não podemos ignorar esse risco e pedimos a todos que considerem e reflitam sobre essa situação de forma cuidadosa”, completou.

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Repensar. Representantes do Itamaraty optaram por insistir que o sistema "não vive tempos normais" e que a OMC "enfrenta sérios desafios, mesmo existenciais". “Os desafios diante do sistema multilateral são extremamente sério e precisamos estar conscientes do que está em jogo”, afirmou a delegação brasileira. 

 Sem citar nominalmente os EUA, o governo deixou claro sua frustração. "No centro da ameaça está o protecionismo", disse. "O recente anúncio unilateral, por um importante membro, leva essa ameaça a um novo patamar", alertou o Brasil. 

"Temos profundas preocupações sobre as implicações sistêmicas, o que poderia levar a sérias consequências que não seriam de interesse de ninguém", afirmou o Brasil, numa alusão a uma guerra comercial."Pedimos a esse membro que reconsidere sua decisão", pediu. 

Nos corredores da OMC, o clima é qualificado de “sombrio” diante do risco que a eclosão da crise poderia significar para um sistema baseado em regras.

O México, por exemplo, alertou que a ação americana poderia representar “a lei da selva” por não cumprir as regras internacionais. O Japão e a Austrália temem que a medida americana e as eventuais respostas gerem um “espiral” de medidas que vão minar o sistema multilateral.

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Índia e Venezuela ainda classificaram a ação americana de “inaceitável” e capaz de levar o mundo a uma “guerra comercial”. 

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