Poderá a efetiva deflagração de uma investida militar da Rússia na Ucrânia mudar o rumo repentino do fluxo de dinheiro estrangeiro ao Brasil, como a de um cardume que, numa fração de segundos, muda de direção no mar?
Desde a intensificação da escalada na tensão entre a Rússia e os Estados Unidos, juntamente com seus aliados no Ocidente, o real brasileiro foi uma das moedas que mais se valorizaram contra o dólar.
Entre as várias justificativas dadas por analistas e "traders" no mercado estão a de que a taxa Selic mais elevada atraía o capital para as operações de "carry trade" e também a de que o Brasil estava se beneficiando de uma realocação dos investidores globais, fugindo da Rússia.
Afetado por esse contexto, o dólar chegou a cair abaixo dos R$ 5,00 na quarta-feira, 23, acumulando uma queda de 5,69% somente em fevereiro e de 10,25% em 2022.
Já o Ibovespa até cai, mas muito levemente, numa perda de 0,12% em fevereiro até ontem, mas nada se compara com o tombo das bolsas americanas, com o índice S&P 500 recuando 6,42% e o Nasdaq despencando 8,44% no período.
Acontece que, enquanto o conflito ainda está na esfera da diplomacia e de ameaças veladas ou explícitas, o impacto psicológico no mercado não inclui ainda a palavra "pânico".
Uma vez o conflito armado iniciado, quem sabe até quando durará?
O que acontecerá com o humor global se o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ameaçar usar suas armas nucleares em algum momento do conflito?
Apesar da negativa até agora, dependendo do desenrolar da guerra na Ucrânia, a Otan - ou, especialmente, os EUA - poderá se envolver diretamente no conflito?
E até onde vão as sanções do Ocidente para punir a Rússia? Vão infligir dano real e profundo à economia russa, ao contrário da primeira rodada de medidas, as quais apenas atingiram o entorno mais próximo de Vladimir Putin, presidente russo?
Para a esfera de política monetária, também é possível que os investidores globais façam as seguintes indagações, migrando de volta ao refúgio do dólar e abandonando o real brasileiro:
A guerra na Ucrânia terá um efeito inflacionário maior, via disparada nos preços de commodities e de outros produtos, ou terá um impacto desinflacionário, via queda no crescimento da economia global?
Certamente, o tema da guerra na Ucrânia será abordado com prioridade nas reuniões de política monetária dos principais bancos centrais do mundo, como o Federal Reserve (Fed) e o BC brasileiro. Ambos, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) do Fed e o Copom no Brasil, têm a próxima reunião marcada para os dias 15 e 16 de março.
Se o Fed decidir acelerar o ritmo de alta de juros, em razão de uma eventual conclusão sobre o impacto da guerra sobre a inflação americana, que já está em 7,5% nos últimos 12 meses, quase todos os BCs mundiais serão forçados a seguir essa postura mais dura na política monetária.
Mas, acima de tudo, a corrida global para o conforto do dólar poderá mudar a maré favorável que o real brasileiro vem surfando nas últimas semanas, uma vez que, em termos de fundamentos da economia e da política no Brasil, nada mudou para justificar o recente aumento do fluxo de capital externo.
* Jornalista do Broadcast