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Guia oficial aconselha britânicos a evitar falar de Argentina e de pobreza

Documento para instruir interessados em investir no País também adverte sobre 'contato físico' e atrasos em reuniões.

Por Ruth Costas
Atualização:

No Brasil, bons tópicos para começar uma conversa incluem futebol, família, filhos e música. Exemplos de tópicos ruins, a serem evitados, são: Argentina, política, pobreza, religião e a floresta tropical. Se alguém lhe interromper enquanto você estiver falando, não se ofenda, porque interrupções são vistas como "sinais de entusiasmo". Conversas longas e animadas são um hábito apreciado pelos brasileiros e eles falam alto principalmente em ocasiões informais - o que em um primeiro momento pode parecer "estranho para ouvidos britânicos". As recomendações e observações são da Agência de Comércio e Investimentos da Grã-Bretanha (UKTI, na sigla em inglês) e foram incluídas em um guia oficial publicado para ajudar empresários britânicos que querem se aventurar a fazer negócios no Brasil. Elaborado em momento em que o governo britânico se esforça para ampliar as relações econômicas bilaterais, o guia contém não só informações práticas sobre como lidar com a burocracia e o intrincado sistema de impostos brasileiros, mas também dicas sobre diferenças na etiqueta de negócios e relações interpessoais. Em 71 páginas, expõe de forma curiosa as diferenças culturais entre os dois países. "A pontualidade, às vezes, pode ser um problema no Brasil, mas você não deve interpretar atrasos como um sinal de grosseria ou desleixo", diz o documento. "Se estiver atrasado para um encontro, deve ligar para a empresa brasileira para avisar seus interlocutores. Mas esteja ciente de que os brasileiros vão estar fazendo piadas entre eles sobre a fama dos britânicos serem pontuais!" Como na Grã-Bretanha encontros de negócio e sociais têm hora para começar e para acabar, a UKTI também acha importante explicar que os brasileiros não vão embora depois de um almoço ou de um jantar. E as reuniões de trabalho podem "ser demoradas e envolver conversas sobre assuntos pessoais e amenidades". "Ao terminar o encontro, você tem de repetir todo o processo de apertos de mãos e beijos e pode levar até 10 minutos até que finalize esse processo e possa sair da sala! Esse tempo deve ser incluído em sua programação, não dê por certo que conseguirá sair rapidamente", avisa o guia da UKTI, prevenindo os organizados e, em geral, metódicos empresários de seu país. A necessidade de investir mais nas relações interpessoais do que na Grã-Bretanha, de fato, é um dos pontos que chamam a atenção de britânicos que, recentemente, começaram a fazer negócios no Brasil como Pam Dubois, diretora da ILS English, empresa especializada em treinamentos corporativos e cursos de inglês para empresas. Com cerca de 30 funcionários, a ILS tem sede na cidade de Nottingham. "Os britânicos costumam ir mais direto ao ponto, enquanto, no Brasil, é necessário mais paciência e tempo para conquistar a confiança e a simpatia de seu parceiro comercial", disse Dubois à BBC Brasil. Linguagem corporal O guia oficial da UKTI também faz observações sobre a "linguagem corporal dos brasileiros". Segundo o documento, "brasileiros falam muito próximos" a seus interlocutores e "com muito contato físico". "Tocar braços e ombros é normal e os homens podem dar tapinhas nas costas", alerta. A UKTI também diz que a "cultura de negócios brasileira é parecida com a do sul da Europa, com influências consideráveis da África e Ásia regionalmente". E os empresários são instruídos a aprender um pouco de português. "Para comunicar mensagens básicas (quando estiver no Brasil) saber espanhol ou italiano pode ajudar (...) Mas não comece a falar espanhol diretamente, porque os brasileiros podem pensar que você não sabe que a língua deles é português e isso vai deixar uma má impressão", alerta o texto. O guia também atenta para a importância de os empresários serem flexíveis, já que as coisas tendem a mudar "rápido e de forma inesperada" no Brasil. "Os brasileiros são famosos por encontrar uma forma de contornar o problemas", explica. Para entender as leis e burocracia brasileira, a UKTI recomenda, antes de tudo, muita paciência; depois, que empresários façam parcerias com empresas locais. "Paciência é uma virtude", afirma. "Algumas coisas devem tomar mais tempo do que você espera (especialmente se envolverem alguma burocracia), então, prepare-se." Parcerias Tanto Dubois quanto o empresário Roy Webber, da empresa de design e construção de marcas The Works, com sede em Leeds, que recentemente abriu um escritório em São Paulo, concordam que a busca de parcerias é uma das receitas para o sucesso no Brasil. "Até porque isso tende a facilitar a receptividade em relação às empresas britânicas", diz Webber. "Ou seja, ajuda a mostrar que não estamos indo para o Brasil competir com empresas locais ou tomar empregos, mas, sim, juntar forças e oferecer nossa expertise em algumas áreas." Segundo Weber, uma das maiores dificuldades das empresas britânicas que chegam ao país é entender o sistema de impostos do país. Bill Hanway, executivo da filial britânica da AECOM, que projetou tanto o Parque Olímpico de Londres quanto o do Rio de Janeiro concorda. "Há, obviamente, algumas distinções culturais que percebemos no dia a dia, mas, no fim das contas, elas não fazem muita diferença nos negócios", afirma Hanway. "Os maiores desafios estão mesmo relacionados a questões burocráticas, legislação e compreensão da dinâmica de competição do mercado brasileiro." No ano passado, um guia publicado pela agência oficial de turismo da Grã-Bretanha para instruir os britânicos sobre como tratar os visitantes que chegariam para a Olimpíada de Londres causou polêmica em diversos países. Para alguns, essa lista de "dicas", que já mencionava a "fama" dos brasileiros de chegarem tarde a compromissos e a rivalidade com os argentinos, reforçava estereótipos culturais. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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