A pandemia de coronavírus veio para complicar o cenário econômico brasileiro, que já era complexo: depois de anos de crescimento baixo, combinado com ruídos políticos e sociais, o País se tornou virou alvo de forte desconfiança internacional. A perda de investimentos estrangeiros, que já era realidade nos últimos anos, dependerá de um difícil equilíbrio: a sinalização de uma política fiscal mais responsável em meio a uma realidade de aumento de gastos para conter os efeitos da covid-19 na economia.
Segundo Alberto Ramos, chefe da área de pesquisas econômicas sobre a América Latina do banco americano Goldman Sachs, além da letargia econômica – o PIB brasileiro não cresce mais do que 2% desde 2013 –, há outros desafios: brigas políticas, a queda dos juros (que espanta o capital de risco) e, mais recentemente, críticas à política ambiental. “Há um certo desencanto (do investidor estrangeiro) com o Brasil”, disse Ramos, que participou nesta terça-feira, 21, da série de entrevistas ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão.
Nesse sentido, diz o economista, a agenda de reformas continua a ser peça fundamental da recuperação da imagem brasileira lá fora: “Todo mundo entende que o governo não tinha como não fazer uma expansão fiscal por causa da pandemia. Mas agora é a hora de redobrar o esforço pelas reformas fiscais, para dar uma sinalização de médio e longo prazos.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como está a imagem do Brasil perante o investidor internacional atualmente?
A imagem do Brasil já passou por melhores dias, há um certo desencanto com o Brasil. O Brasil já vinha enfrentando dificuldades para apresentar um crescimento razoável (há tempos). A última vez que o PIB do Brasil cresceu mais de 2% foi em 2013. Já se vão sete anos. É um país hoje com uma taxa de juros muito baixa, pouco atrativo para fluxos de capital procurando retorno maior. Há uma razão boa e outra ruim para o juro estar tão baixa: a boa é o fato de a inflação estar controlada e a âncora monetária ser crível; a ruim é o mercado de trabalho debilitado, que mantém a inflação baixa. Há o persistente ruído político, com fricção entre os diferentes Poderes. Começou lá atrás, na reeleição apertada da Dilma Rousseff, e se mantém até hoje. Tivemos dois ministros da Saúde saindo, um ministro da Justiça (Sérgio Moro) bastante popular que também saiu do governo. E por último tem a questão ambiental, cujo foco aumentou muito recentemente. A visão do investidor é de pouco interesse no curto prazo.
O quanto a agenda ambiental equivocada, na prática, pode afetar a economia?
Pode atrapalhar, mas também pode ser uma oportunidade, atrair volumes significativos de capital. Se isso não ocorrer, o Brasil pode ser penalizado. O grande investidor institucional tem preocupação ambiental. E o Brasil, como guardião da Amazônia, pode se prejudicar caso não tome as medidas percebidas como necessárias para a preservação. É uma agenda doméstica, também. Diria que o risco ambiental não é um custo enorme no curto prazo, mas no futuro pode ser. É mais um fator, em uma lista bastante longa, que atrapalha o Brasil.
O FMI chegou a prever queda de 9% para o PIB brasileiro em 2020. Agora, porém, bancos começaram a melhorar as previsões. Qual é sua visão?
Sem dúvida que os dados mais recentes têm superado um pouco as expectativas. Mas houve uma queda violenta da atividade em março e abril. Será que os dados de junho e julho são sustentáveis? Uma recuperação mais rápida, em “v”, não é o mais provável. Não é tão extraordinário que, após o fim do distanciamento social, a economia gerar números bem mais positivos. Mas estamos bem longe do nível de atividade pré-covid-19. Esse programa de R$ 600 está levando uma transferência de renda de quase R$ 50 bilhões por mês, o que é quase um Bolsa Família e meio anual. Isso ajuda a amortecer a queda. Mas o País não pode financiar essa generosidade por muito tempo. Infelizmente a gente não faz o que quer, faz o que pode.
Como conciliar uma agenda de ajuste fiscal e a necessidade de irrigar a economia?
A economia vai se reconstruir quando a restrição viral for removida. Esse problema só se resolve com um tratamento efetivo ou uma vacina. Vai ser uma recessão muito profunda, mas relativamente curta. O Brasil já tinha um problema fiscal muito sério. O Brasil já tem déficit primário há seis anos consecutivos. Para estabilizar a dívida, vamos ter de chegar em algum momento a um superávit. Com o covid, o governo teve de gastar muito mais. Estamos trabalhando com um déficit fiscal primário de 10% a 15% do PIB e com endividamento público de 95% a 100% do PIB. E como conciliar a agenda pró-crescimento com algumas medidas fiscais? Com as reformas, que se tornaram ainda mais urgentes. Todo mundo entende que o governo não tinha como não fazer uma expansão fiscal por causa da pandemia. Mas agora é a hora de redobrar o esforço pelas reformas, para dar uma sinalização de médio e longo prazos.
O governo entregou ontem o texto da reforma tributária ao Congresso. Como o sr. vê esse texto neste momento?
Todo mundo concorda que é necessário fazer a reforma tributária. Primeiro porque a carga tributária é muito pesada comparada com países emergentes. E uma simplificação tributária, mesmo sem receitas extras, seria muito bem-vinda. Mas passamos da noção da reforma tributária neutra em termos de arrecadação para uma que tem alguns elementos de aumento da carga tributária, visando a financiar o aumento do gasto. A equipe econômica tem debatido a criação do Renda Brasil. O Brasil já tributava muito, gastava muito e investia pouco. Outra agenda importante é aumentar a eficiência do gasto (do dinheiro dos impostos), que hoje é muito baixa.
O auxílio emergencial deve virar permanente? O País precisa continuar com a distribuição de renda?
Sem dúvida é necessário o País continuar com a distribuição de renda. É uma das funções fundamentais do governo. É por isso que o sistema cobra mais impostos de quem tem mais dinheiro. Mas o grande instrumento de progressão social é o crescimento econômico. Se você redistribuir a renda, mas inibir o crescimento, o tamanho do bolo para distribuir diminui. Não se pode minar o investimento e a poupança.
Esperava-se, por causa do juro baixo, uma explosão de aberturas de capital na Bolsa brasileira. Ainda é possível que haja uma retomada desse movimento?
O covid gera muita incerteza, e claramente o mercado de capitais fica mais retraído. O ambiente juro muito baixo é muito bom para IPOs. Isso já estava acontecendo em 2018 e 2019. Esperava-se uma aceleração em 2020, que foi frustrada. O investidor estrangeiro tem até participado de IPOs e follow-ons, o pouco dinheiro tem chegado por aí. Mas tudo depende de crescimento. Se o crescimento voltar, o investimento também volta.
A América Latina é uma região vista como pouco atraente em relação a outras áreas. O que aconteceu?
A América Latina já tinha problemas, especialmente de crescimento. O avanço médio dos últimos sete anos foi de 0,8% ao ano. A renda per capita já vinha declinando. A gente viu movimentos sociais no Chile, no Equador e até no Brasil, alguns anos atrás. Na Argentina isso é recorrente. A pandemia não ajudou, pois tornou um quadro bastante feio ainda mais complicado. Muitos países fizeram investimento em termos de contenção – como Argentina, Colômbia e Peru – e não conseguiram controlar o vírus de uma maneira efetiva. Pagaram o custo da atividade e impacto na renda sem ter o benefício da saúde pública.
A partir da distribuição da vacina, a recuperação geral da economia pode ser muito mais rápida?
Pode, sem dúvida. Há um problema logístico e industrial. Vamos ter de produzir bilhões de doses. E nem todo mundo vai ter acesso imediatamente. É uma questão de quem pega a vacina primeiro. Mas a mudança do sentimento seria clara. Mostraria que identificou-se uma solução por problema em uma questão de meses. Determinados tipos de serviço – como viagens, eventos e turismo – só vão se recuperar mesmo depois de uma vacina ou um tratamento efetivo.