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Há otimismo exagerado com o PIB de 2021, que vai piorar com a deterioração fiscal, diz economista

Para Felipe Tamega, disposição do governo e do Congresso de abrir mais gastos, ao invés de reduzi-los, vai contra a expectativa do BC de PIB de 3,9% em 2021

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Por Thaís Barcellos (Broadcast)
Atualização:

A velocidade surpreendente da retomada econômica nos últimos meses criou um otimismo "exagerado" sobre o cenário de crescimento em 2021, que deve passar por grande revisão, afirma o economista-chefe da Itaú Asset Management, Felipe Tamega. Na virada do ano, ainda que se aprove uma ampliação do Bolsa Família, a redução dos beneficiários ante o auxílio emergencial deve provocar uma desaceleração da atividade, mesmo se houver distribuição de vacina contra covid-19, avalia.

"Para chegar a 3,5% e 4,0% [de PIB em 2021], como o Banco Central, que projeta 3,9%, o crescimento trimestral seria de 0,8% a 0,9%, que é muito alto. Não conseguimos entender de onde vem tanto crescimento, dada essa percepção macroeconômica", disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Cenário de crescimento para 2021 deve passar por uma grande revisão, disse Felipe Tamega. Foto: TV Estadão

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A deterioração recente na perspectiva fiscal de médio prazo só aumenta a percepção de otimismo "exagerado" com 2021, acrescenta Tamega. Segundo o economista, parece que não há disposição no Executivo e no Legislativo para enfrentar o custo político do ajuste fiscal e o debate se inverteu, com a proposição de reformas para abrir espaço para mais gastos, não para reduzi-los.

"A discussão começa com o gasto e se fala em gatilhos para financiá-lo. Mas, com esse nível de dívida, a discussão tinha que ser como conseguir uma trajetória descendente dos gastos", alerta Tamega. Desse modo, o economista afirma que teme pela manutenção do atual arcabouço fiscal e avalia que, assim, o forward guidance do Banco Central está em risco.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O ritmo de retomada econômica tem surpreendido. É sustentável?

Existe um padrão muito claro na retomada econômica pós pandemia. Os papers acadêmicos estão começando a mostrar que o grande motor da queda da atividade não foram as restrições impostas pelos países, mas sim o medo. Com a redução do nível da contaminação e das mortes, as pessoas se sentem mais seguras para saírem às ruas. Então, ocorre o mesmo descasamento do início da pandemia, em que houve queda rápida da demanda, enquanto a produção foi 'desligada' mais lentamente, mas de maneira inversa: a demanda volta, mas a produção ainda não voltou. E o que tinha de estoque no início, que inicialmente parecia muito, foi sendo gasto nos vários meses em que tudo ficou parado na economia.

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E qual é a consequência?

O comércio está acima do patamar pré-crise na maioria dos países. Isso tudo porque há uma coincidência temporal da demanda, pois a população sai às ruas ao mesmo tempo, há consumo reprimido e algum dinheiro no bolso, por causa da ajuda governamental. Então a produção industrial vai reagir a tudo isso de maneira defasada. Vai ter que produzir para atender esse pico de demanda e para refazer os estoques, que foram zerados ou diminuíram muito durante a pandemia. A produção industrial deveria trabalhar de maneira exagerada, o que chamamos de overshooting. A produção industrial surpreendeu para baixo em agosto, mas não foi nada dramático. Na medida em que os setores vão voltando à normalidade, a produção industrial deve continuar a retomada nos próximos meses, encontrando seu nível mais normal lá na frente.

Mas então é algo pontual essa recuperação forte? Quando a atividade deve retomar esse ritmo mais normal?

É difícil dizer porque tem muitas forças que ainda vão bater sobre a economia de ambos os lados, para que continue mais forte e para que desaqueça. O primeiro ponto é o fiscal. Um dos elementos que explicam a retomada mais forte é a expansão fiscal enorme que estamos fazendo por conta da pandemia, com destaque para o coronavoucher. Outubro deve ser o pico dos desembolsos de coronavoucher, porque, dado o espaçamento de pagamentos que a Caixa fez, alguns beneficiários podem receber [no mesmo mês] a parcela de R$ 600 e de R$ 300. Enquanto houver dinheiro injetado pelo governo na economia, a demanda brasileira deve se manter alta. Em dezembro, deve ter queda razoável de demanda, e, em janeiro, mais ainda. Mesmo que se aprove o Renda Cidadã, entre R$ 200 e R$ 300, ainda assim deve haver desaceleração importante, porque o número de beneficiários deve cair de 64 milhões para algo como 20 milhões. Do nosso ponto de vista, deve ter uma desaceleração forte da demanda em dezembro, janeiro e fevereiro.

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E qual será o ponto positivo para a atividade?

A desaceleração fiscal deve ser concomitante à chegada da vacina. O Doria [João Doria, governador de São Paulo] está falando que as primeiras doses chegam em dezembro. Deve ser por volta da virada do ano. Se isso ocorrer mesmo, tende a suavizar um pouco a queda do PIB na virada do ano, porque a mobilidade aumenta e setores deprimidos retomam. Mas acho que otimismo todo que as pessoas têm hoje com a atividade de 2021 tende a mudar, acho que vamos ter revisão grande ao longo do tempo para o PIB de 2021, independentemente do que está acontecendo de piora do cenário fiscal de médio prazo, que só aumenta essa percepção de que há otimismo demais em relação a 2021. Quando chegar a vacina, as perspectivas de crescimento deveriam ser piores do que em janeiro ou dezembro do ano passado. Mas as previsões de mercado hoje, de crescimento por trimestre, já são parecidas ou maiores do que se projetava antes da crise. A despeito do nível estar mais baixo, achamos que a dinâmica também deveria ser pior.

Quais são as projeções da asset para o PIB?

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Para 2020, projetamos queda do PIB de 4,6% e, em 2021, alta de 2,5%. Ainda acho que estamos sendo otimistas no 2,5%. Mas é um crescimento trimestral muito baixo, da ordem de 0,3%. Para dar 3,5% e 4,0%, como o Banco Central, que tem 3,9%, o crescimento trimestral seria de 0,8% a 0,9%, que é muito alto. Não conseguimos entender de onde vem tanto crescimento, dada essa percepção macroeconômica.

Há indicações de segunda onda de covid-19 na Europa e preocupações com a desaceleração da retomada no mundo. Seriam ventos contrários para o Brasil?

De qualquer forma, acho que já passou ou estamos no pico do otimismo. Acho inclusive que já passou o pico de otimismo em relação à recuperação, pelo padrão que eu mencionei. A gente foi surpreendido pela velocidade da retomada, sobretudo do varejo. O varejo vem forte e produção industrial vem na sequência, e serviços vêm muito devagar. Quando viram essa retomada exagerada, tenderam a projetar que as coisas iam ser melhores. Mesmo na ausência dessa segunda onda, o otimismo ficaria um pouco para trás. O varejo vai começar a perder força. A produção industrial vai continuar por mais alguns meses por causa da reposição de estoques, mas eventualmente vai encontrar normalidade em nível mais baixo, em função de demanda mais baixa de equilibro.

Mas essas notícias externas trazem mais preocupação?

Em relação à segunda onda, também acho que isso está atrapalhando. Mas estamos vendo um aumento da infecção, que gera um medo maior, mas não o pânico que vimos lá trás, porque as mortes não estão aumentando tanto. A possível uma queda do PIB que talvez não seja tão dramática quanto o segundo trimestre. Vai ter alguma desaceleração da atividade, mas não algo tão dramático como foi lá trás, até porque as empresas tiveram que se adaptar. Mas é claro que a gente tem que monitorar. Ainda que o medo seja maior motivo para a queda da atividade, temos que mensurar também o efeito das restrições. As impostas até agora têm impacto menor no PIB, com exceção da restrição à circulação imposta a Madri, que temos de ver se será ampliada para outros lugares. O vento a favor lá de fora não vai ser mais verdade. O período de maior otimismo já passou, aqui devemos ver alguma coisa parecida de maneira defasada.

Como vê o impasse fiscal em torno do Renda Cidadã, com as soluções apresentadas na semana passada muito criticadas pelo mercado?

De fato, foram colocadas soluções ruins para financiar o programa. Eu acho que aqui podemos ver o copo meio cheio ou meio vazio. Para começar pelo lado bom, aparentemente todas essas ideias ruins estão sendo rechaçadas. O mundo político está sofrendo pressão de que as soluções não estão a contento, não são razoáveis. Se você quiser ser otimista, pode ser que isso implique em ter alguma solução de algum corte de gasto para compensar o aumento do Bolsa Família. A leitura pessimista é de que o mundo político, incluindo Executivo e Legislativo, não quer cortar na carne. Acha que é difícil demais, é impopular, como o presidente falou, que não dá para tirar de pobres para dar para os paupérrimos. O fato de que o mundo político não quer enfrentar esse custo deixa uma sinalização negativa para o mercado, com a qual eu concordo. Estou mais nessa visão pessimista, a despeito do recuo que houve.

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Cada vez fica mais provável o aumento permanente de gastos?

Hoje, ninguém discute mais formação de poupança. Mesmo as reformas e as privatizações estão sendo vistas como forma de abrir espaço para fazer outro gasto. A discussão começa com o gasto e se fala em gatilhos para financiá-lo. Mas, com esse nível de dívida, a discussão tinha que ser como conseguir uma trajetória descendente dos gastos. Até porque, o teto de gastos em relação ao PIB demanda isso. Não tem muito por onde escapar, se queremos manter o arcabouço fiscal, que passa pelo teto de gastos, não tem mágica, tem de fazer a consolidação fiscal. A discussão fiscal atual não condiz com a situação fiscal em que vivemos. E me preocupa muito termos esse nível de discussão fiscal no momento em que estamos no pico do otimismo da nossa recuperação econômica. Se de fato tivermos a desaceleração da atividade que esperamos na virada do ano, fico preocupado com a resposta política a isso.

Nesse cenário, o forward guidance de manutenção dos juros do Banco Central corre risco?

Acho que o forward guidance do BC está em risco, porque temo pela permanência do atual arcabouço fiscal no Brasil. Como o BC disse de forma muito clara desde início, o forward guidance atual só é vigente enquanto o arcabouço fiscal existir. Precisamos ter sinalizações mais positivas do fiscal nas próximas semanas e meses para que o BC de fato consiga manter a taxa de juros em 2% por tanto tempo, como o mercado e nós acreditamos. Sem isso, vai ficar difícil.

A infecção por covid-19 pelo presidente dos EUA, Donald Trump, altera o panorama das eleições americanas?

Eu tenho uma visão um pouco particular sobre o resultado das eleições americanas. Eu acho que Joe Biden [candidato democrata] vai ganhar com margem grande de votos por uma série de motivos. Diferentemente de 2016, o desgaste está do lado do Trump após anos de governo. Além disso, tem o movimento do "Black Lives Matter", que virou um grande tema das eleições. Isso vai fazer com que grande parte do eleitorado democrata vote em massa em Biden, não só pela forma com que Trump lidou com as manifestações, mas também porque Biden foi vice de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Acho que, no fim das contas, a dinâmica eleitoral favorece que as surpresas no comparecimento às urnas seja mais favorável aos democratas.

A contaminação de Trump por covid-19 favorece ainda mais Biden?

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As condições para mim já estavam dadas para vitória, eu diria até surpreendente, de Biden sobre Trump. A infecção de Trump e Melania só aumenta esse quadro. Não só porque Trump terá que fazer uma campanha mais restrita, mas também pela forma que lidou com pandemia, sempre fazendo pouco caso da doença. Isso vai ser utilizado contra o Trump, ele perde em todos os fronts.