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Habitação popular cria efeito manada

Pacote habitacional estimula empresas a construir imóveis em larga escala para a baixa renda

Por Marianna Aragão e
Atualização:

O mercado imobiliário brasileiro vive de ondas. Na década de 90, as incorporadoras inundaram a cidade de São Paulo de flats e os investidores que apostaram naquela promessa ficaram com o mico na mão. Hoje muitos desses apartamentos estão vazios. Mais recentemente, desmotivadas pela falta de crédito para as classes média e baixa, as empresas colocaram todas as suas fichas nos imóveis de alto padrão. Fizeram tantos lançamentos - e tão parecidos entre si - que várias acumularam estoques ou, pior, foram obrigadas a cancelar projetos no meio do caminho. Com o pacote habitacional anunciado na última semana pelo governo Lula, a moda agora é o popular. Num mercado congelado pela restrição de crédito e pela falta de comprador, é o único filão onde haverá dinheiro farto - nos alto e médio padrões, os bancos hoje têm liberado financiamento somente para construções com 50% das unidades vendidas e o número de empreendimentos por empresa é limitado. Mais uma vez, deve surgir na indústria um efeito manada, atraindo desde empresas tradicionais do ramo mais focadas na alta renda até as novatas, que um empresário do setor de construção chamou de "empresa mexerica": aquela que só dá em temporada. "O grande desafio das construtoras é ocupar esse novo espaço", afirma Rubens Menin, presidente da MRV, uma das poucas que constroem para o segmento econômico desde a sua origem, na década de 70. Mesmo hoje, embora várias empresas digam que atuam nesse nicho, poucas de fato vendem imóveis abaixo de R$ 100 mil. "O mercado privado no Brasil não sabe trabalhar com baixa renda. O imóvel econômico para as construtoras é o de R$ 200 mil e isso não atinge nem 20% da demanda das famílias brasileiras", diz a professora de planejamento urbano da USP, Ermínia Maricato. Com a enxurrada de recursos do governo, as construtoras parecem, finalmente, ter aceitado o desafio de produzir para esse público. "O pacote resolveu um problema importante para o setor hoje, que é o capital de giro, que está caro e escasso", diz o diretor de relações com investidores da Brascan, Luiz Rogélio Tolosa. CASO EXEMPLAR A Cyrela, maior incorporadora do País, é um caso exemplar. Segundo analistas, o controlador da companhia, Elie Horn, sempre viu com certa desconfiança a habitação popular. Recentemente, mudou de opinião. "Hoje a moda é o popular. Então, vamos fazer o popular", afirmou em entrevista há algumas semanas. Na sexta-feira, o empresário reforçou a aposta. Em teleconferência com analistas e investidores, disse que a marca Living (que faz imóveis na faixa de R$ 150 mil) deve representar 50% dos lançamentos e vendas da Cyrela no próximo ano. Em 2008, essa fatia foi de 30%. A empresa ainda não está preparada para construir para quem ganha menos do que cinco salários mínimos, o grosso dos beneficiados pelo pacote. Mas o empresário prometeu que vai aprimorar o método de construção em grande escala. "Do ponto de vista da engenharia, não há muito segredo. O preparo não está em construir, mas em desenhar o projeto, entender o que o público precisa", diz o coordenador do Núcleo de Real Estate da Poli/USP, João da Rocha Lima Júnior. INDÚSTRIA Para explorar esse filão, as empresas terão de fazer adaptações, mesmo as que já constroem imóveis econômicos. "A maioria não está acostumada a fazer escalas tão grandes. Na baixa renda, o componente industrial ganha mais importância e o imobiliário, menos", diz o analista da corretora Itaú, David Lawant. "O grande desafio é operacional: avaliar crédito, aprovar na caixa e depois construir, que não é a parte mais difícil. O problema é fazer isso em grande escala, o que exige uma estrutura bastante azeitada. Muitas empresas só fingem que fazem baixa renda", diz um analista que não quis se identificar. A Rossi, que ficou conhecida nos anos 90 pelo Plano Cem, série de imóveis para a classe média baixa, chegou a desprezar o segmento. Há dois anos, ele representava apenas 13% dos lançamentos. A previsão é que atinja, no mínimo, 50% neste ano. Seus executivos acreditam que a empresa tem condições de recuperar a experiência do passado para largar na frente. Segundo o diretor do segmento econômico, Renato Diniz, a empresa sabe produzir em escala. Além disso, tem um banco de terrenos no valor de R$ 3 bilhões para receber os empreendimentos. "Pelo menos 90 projetos já estão em fase de aprovação em todo o País." O que nenhuma empresa fez até hoje foi construir imóveis para quem ganha abaixo de três salários mínimos, até porque nunca houve crédito para elas. "Antes do plano, essas pessoas não conseguiam se enquadrar nas condições de financiamento", diz o presidente da Rodobens Negócios Imobiliários, Eduardo Gorayeb. Agora, a companhia investe para atendê-las. "Já estamos trabalhando para achar viabilidade econômica nesses projetos." A MRV é outra empresa que pode avançar mais rápido nesse novo mercado, segundo os analistas. Hoje, 93% de seus imóveis são vendidos para famílias com renda entre três e dez salários mínimos. "No nosso caso, vai exigir pequenas adaptações. Temos hoje 250 canteiros de obras espalhados pelo País. Passar para 400 é mais fácil, porque a empresa já está azeitada", diz o presidente da MRV, Rubens Menin. "Fazer 40 mil unidades por ano, o que muita empresa está prometendo, exige todo um preparo industrial, de logística, de produção, que não se faz da noite para o dia."

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