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Hábitos, emprego e crescimento

Por José Pastore
Atualização:

As estatísticas sobre a forte queda do consumo nos Estados Unidos destacam as residências, os automóveis, os eletrodomésticos e outros bens duráveis. Analisando melhor os dados, verifica-se que a contração vai muito além disso. Segundo pesquisas recentes, muitos americanos suspenderam o almoço que faziam nos restaurantes nas horas de trabalho; pararam de comprar alimentos mais caros; suspenderam a compra de um novo jeans ou um novo par de sapatos; cancelaram as viagens, até mesmo a tradicional visita nos dias de Natal e de Ação de Graças. São cortes em bens corriqueiros, mas de grande significação econômica, sem contar os que foram viver em tendas. Essa mudança involuntária nos hábitos dos americanos veio para durar. Eles, que sempre gastavam mais do que ganhavam, não conseguem pagar o que devem. A inadimplência cresce. A perda de propriedades, a escassez de crédito e o desemprego avassalador assustam até os que estão mais protegidos nesses campos. Está suspenso o american way of life. É uma mudança de grande profundidade e com graves desdobramentos para o resto do mundo. Sempre se disse que a contração do consumo americano afetaria a economia mundial. Já está afetando e vai afetar mais. Entre nós, continuamos acreditando que o Brasil está em melhores condições porque tem um grande mercado interno. De fato, somos grandes em muitas coisas. Mas o que interessa é ser forte no poder de compra. Este, que vinha crescendo a passos largos até meados de 2008, entra agora em sério revés. Com a diminuição do emprego formal e o aumento do desemprego, a massa salarial já exibe sinais de queda e deve se agravar. Com poucas exceções, os salários em 2009 serão reajustados para baixo, sem mencionar os que já foram cortados. Para quem perde o emprego, achar outro de igual salário é quase impossível. Com isso, o nosso grande mercado interno ficará combalido. É grave. Hoje há dois tipos de consumidores: os que têm vontade de comprar, mas não têm dinheiro, e os que têm dinheiro, mas não têm vontade de comprar. É a combinação do arrocho com a cautela. Isso porque a ameaça do desemprego assusta a todos. Lula revelou a Obama a sua preocupação com os desdobramentos sociais e políticos dessa crise. Procede. A situação só não é pior em razão da enorme quantidade de recursos que o governo transfere via programas sociais - seguro-desemprego, Bolsa-Família, aposentadoria, pensões e outros. São verdadeiros amortecedores. Mas isso tem limite. A queda de arrecadação é uma realidade. Exemplo: só em janeiro, faltaram R$ 6,3 bilhões para o INSS pagar os benefícios previdenciários. Com menos recursos e mais pessoas precisando de amparo, como resolver a equação? A sugestão mais imediata é a de cortar os dispêndios do governo. Mas a estrutura de gastos é muito rígida. Só com previdência, assistência social e funcionalismo o governo gasta mais de 70% dos recursos. Recursos para investimentos que geram empregos são irrisórios. Para complicar a situação, o governo Lula contratou enormes despesas para o futuro e que dificilmente serão eliminadas. Quem vai cortar os R$ 29 bilhões anuais para pagar o aumento do funcionalismo? Quem vai mexer no Bolsa-Família nas vésperas de um ano eleitoral? Aliás, é bom que não se mexa mesmo porque, no momento atual, ele está ajudando a evitar a ruptura do tecido social. Estamos numa bicicleta, não podemos parar de pedalar e falta fôlego. Durante seis anos, o Brasil cresceu na carona do mundo e não economizou o que podia. Chegou o fim da festa e os cofres estão vazios. Já se fala em uma perda de arrecadação de R$ 60 bilhões para 2009. Entramos numa armadilha. Quando havia trabalho, muitos dos beneficiados do Bolsa-Família rejeitavam os empregos por terem mais segurança com a ajuda que recebiam. Agora falta trabalho e a situação impõe se manterem os benefícios, mesmo com os cofres vazios. Nós, brasileiros, também teremos de mudar de hábitos. Por mais que seja necessária a assistência imediata, a sociedade terá de oferecer aos cidadãos condições para viverem condignamente, ou seja, com o trabalho. A caminhada será longa. Mas terá de ser trilhada. É uma agenda e tanto para os candidatos à Presidência da República. Fiquemos de olho nas suas propostas para desmanchar essa armadilha. *José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo. Site: www.josepastore.com.br

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