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Hiato na coordenação econômica

Por Paulo R. Haddad
Atualização:

Os graves problemas que o Brasil vem enfrentando em relação à estabilidade na oferta de diferentes tipos de energia têm muito que ver com desarticulações no processo de coordenação econômica na esfera da administração federal. Com a experiência acumulada dos nossos especialistas e a disponibilidade de modernas técnicas de projeções econômicas, tem sido possível extrapolar as tendências futuras de oferta e demanda dentro da matriz energética, mesmo incorporando as fronteiras das incertezas e dos riscos intervenientes. Assim, é muito difícil aceitar a posição dos governantes quando se dizem surpreendidos por desequilíbrios em mercados específicos de alguma forma de energia ou quando tentam resolvê-los por meio de gestão casuística e voluntarista. Como a inconsistência macroeconômica foi uma questão dominante ao longo das duas décadas que antecederam o Plano Real, aprendemos a coordenar, de forma bem-sucedida, as ações que convergem para o equilíbrio entre os principais macro preços (taxas de juros, de salário e de câmbio) que determinam, no curto prazo, a evolução do nível geral dos preços, do PIB, do endividamento interno e externo. Além do melhor nível de informação e de conhecimento sobre o ambiente macroeconômico interno e externo do País, há que se considerar também a menor dificuldade relativa para se promover a coordenação das instituições que formulam e implementam as políticas macroeconômicas de curto prazo. O número dessas instituições é limitado, funcionam hierarquicamente por comando e controle interinstitucional, têm um dos melhores quadros técnicos da administração federal e usufruem de elevado grau de autonomia em seu processo decisório. Entretanto, quando se caminha para a agenda de desenvolvimento sustentável que lida com as ações de longo prazo, como é o caso da promoção e conservação das fontes alternativas de energia, aumenta o grau de transversalidade institucional no processo decisório e os problemas de coordenação se vão tornando cada vez mais complexos. Usualmente, a implementação de um processo de desenvolvimento sustentável envolve problemas de coordenação entre diferentes instituições da administração direta e da administração indireta dos três níveis de governo; entre diferentes equipes técnicas interdisciplinares com suas idiossincrasias próprias (ambientalistas, especialistas em obras de infra-estrutura, etc.); entre as agências públicas e as organizações não-governamentais; e, principalmente, entre os próprios setores organizados da sociedade civil. As instituições, que participam de um processo de desenvolvimento sustentável, tendem a desenvolver o seu espaço próprio de decisão, fechando-se em torno de missões e temas programáticos específicos e, ao mesmo tempo, se protegendo quanto às tentativas de interferências das atividades de coordenação externa. Assim, quando lhes é solicitada a cooperação para executar determinadas atividades do programa, é necessário considerar a questão recorrente da heterogeneidade das diferentes organizações envolvidas, quanto ao seu grau de maturidade institucional, à sua capacidade de decisão e de implementação, à sua cultura profissional, ao seu status político-administrativo, etc. Um programa de desenvolvimento sustentável deve conceber a coordenação das entidades públicas e privadas, atuantes na sua área de influência, em razão de problemas rigorosamente focalizados no nível de subprogramas e projetos. As suas ações devem ser de natureza pragmática em busca de resultados operacionais, envolvendo a negociação e a mediação de conflitos e disputas, a eliminação de setorialismos injustificáveis, a promoção de consensos, a busca do dinamismo real em lugar das divisões formais, etc., para fazer acontecer os objetivos e metas do programa. É evidente que esse hiato na coordenação econômica das ações de médio e longo prazo, que se repete em diferentes situações (no planejamento do uso sustentável dos recursos hídricos, nas políticas de combate à pobreza, etc.), tem muito que ver com o desmonte dos processos de planejamento e de sua eficácia durante os últimos anos. E políticas públicas equivocadas e fraca governança sobre essas questões se podem tornar o embrião de grandes desastres socioeconômicos e ambientais. *Paulo R. Haddad, professor do Ibmec/MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

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