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História, ciclos, modelos e opções

Por Lídia Goldenstein
Atualização:

Durante todo o primeiro semestre deste ano o cenário macroeconômico foi repleto de boas notícias. A tal ponto que se consolidou a percepção de que o País cresceria acima das projeções iniciais de boa parte dos analistas. A meta de 5% do governo foi deixando de ser tão irrealista como muitos, eu inclusive, supunham no início do ano. As reservas internacionais líquidas não pararam de crescer, atingindo US$ 159 bilhões em agosto e apontando para cerca de US$ 190 bilhões em dezembro. Com isso os ratings dados ao País pelas agências internacionais passaram a melhorar consistentemente, permitindo a queda no prêmio de risco país. Para nós que havíamos vivido intensamente os seguidos anos de crise externa parece incrível, mas é irrefutável que o financiamento do balanço de pagamentos deixou de ser um problema. Internamente, sem pressões no câmbio, a inflação vem sendo mantida sob controle - abaixo da meta de 4,5% -, permitindo a queda da taxa de juros, a qual, apesar de ainda elevada e uma das mais altas do mundo, chegou ao menor nível desde os anos 80. É neste cenário surpreendentemente positivo que irrompe uma nova crise internacional, de proporções ainda incertas, colocando novas questões sobre a natureza da inserção internacional da economia brasileira atual e seu impacto não apenas no crescimento do País, mas, sobretudo, no perfil deste crescimento. A reação de alguns, esquecendo-se ou ignorando que na história ciclos e crises sempre existiram e continuarão a existir, foi a de negar qualquer impacto da crise externa na economia brasileira e, ufanisticamente, declarar um novo brado de independência, assumindo que ''''pela primeira vez na história deste país'''' estávamos blindados às vicissitudes do mercado financeiro internacional. Sem a menor dúvida, não se pode negar que o País enfrenta esta nova crise em condições significativamente melhores. Pode-se dizer que o Brasil conseguiu uma redução estrutural de sua vulnerabilidade externa. A capacidade de gerar divisas e acumular reservas graças às commodities não é um fenômeno novo. Já tivemos os ciclos de café e borracha em um passado remoto. A diferença agora é que, além das commodities agrícolas e dos metais - cuja demanda internacional se elevou significativamente tanto pela entrada da China no mercado consumidor como pela participação de grandes Fundos Internacionais no mercado especulador -, uma nova e promissora fronteira se vem abrindo com o etanol. Será preciso uma crise de proporção muito séria para os preços destes produtos caírem a ponto de comprometerem nosso superávit comercial. Entretanto, infelizmente, isso não significa que algum tipo de contágio não possa ocorrer. Significa menos ainda que as condições para um crescimento sustentável (com taxas elevadas e por um longo período) estejam dadas. Já antes da crise do mercado financeiro internacional se iniciar e apesar dos mais variados indicadores macroeconômicos do Brasil se mostrarem excelentes, uma dúvida continuava pairando no ar: qual o fôlego da atual retomada do crescimento? O que se questionava era a sustentabilidade do crescimento no médio e longo prazos. Taxas de investimento relativamente baixas, provável cenário de escassez de energia, infra-estrutura precária e visíveis dificuldades na implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) indicavam que a atual retomada do crescimento poderia sofrer um revés mais cedo do que se supunha, em 2009 ou em 2010. A atual crise, dependendo do seu desenrolar, pode antecipar ainda mais este prazo e, ao fazê-lo, explicitar a fragilidade do modelo econômico que se vem delineando no Brasil: um país exportador de commodities com uma indústria, salvo exceções, com baixa competitividade e voltada para um mercado interno dependente do fôlego das políticas de transferência de renda (Bolsa-Família). Isso porque, mesmo garantindo as divisas necessárias para o equilíbrio do balanço de pagamentos do Brasil, o setor de commodities, dada a natureza da sua produção, não é grande gerador de empregos, e empresas voltadas unicamente ou preponderantemente para o mercado interno investem menos, gerando menos empregos. Além disso, um setor manufatureiro voltado unicamente ou preponderantemente para o mercado interno é necessariamente menor do que um que também tenha o mercado externo como foco. Mais ainda, manter-se como exportador obriga as empresas a investirem e se modernizarem constantemente, ao contrário do mercado interno que, por ser intrinsecamente mais protegido, leva a certo acomodamento das empresas. Este fenômeno ocorre especialmente no Brasil, onde o mercado interno que mais tem crescido é o de baixa renda, o qual, por definição, exige produtos de menor qualidade, menor intensidade tecnológica e de valor agregado. Empresas manufatureiras exportadoras não só têm mais condições de vencer a concorrência externa no mercado interno, pois são necessariamente mais competitivas e preparadas, como estão mais protegidas das vicissitudes do mercado interno, assim como um setor manufatureiro que tenha um mercado interno amplo está mais protegido das vicissitudes do mercado internacional. O atual modelo não garante nem uma coisa nem outra. Ou seja, apesar de menos suscetível às crises externas, estamos construindo um país sem o dinamismo necessário para crescer de forma sustentada. *Lídia Goldenstein é economista Celso Ming está em férias

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