Se um dirigente empresarial mais interessado na própria carreira política do que nos interesses de seus representados e do País chega a ponto de sugerir ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que deixe o cargo para não prejudicar o Brasil e uma semana depois pede que empresários estrangeiros invistam aqui, pois as atuais complicações são "momentâneas", parece que, pelo menos no mundo dos negócios, as coisas pararam de piorar para o governo. O dirigente em questão, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf - duas vezes candidato ao governo do Estado de São Paulo (em 2010, pelo PSB, e em 2014, pelo PMDB) e que continua candidato a algum posto eletivo majoritário -, havia dito que "um ministro da Fazenda que só fala em aumentar impostos, o Brasil não precisa desse ministro". Fez isso no fim de agosto, após jantar que ofereceu ao vice-presidente da República, Michel Temer, também presidente do PMDB, e do qual participaram cerca de 40 dos maiores empresários do País - que, pelo menos em público, não apoiaram sua ideia. Na semana passada, durante o Seminário Econômico Brasil-Japão - que fez parte das comemorações dos 120 anos do tratado que estabeleceu as relações diplomáticas entre os dois países -, o mesmo Skaf, agora em tom otimista, conclamou a plateia, formada por empresários e executivos de grandes corporações de capital japonês interessadas em atuar no País ou que já operam aqui, a investir pois esse é o momento de realizar grandes aplicações na economia brasileira, a despeito das turbulências políticas e econômicas. A crise, disse Skaf, atrapalha, mas passa. "Pode levar meses, pode levar um ano ou um pouco mais, mas passa." Talvez Skaf, como outros políticos que viram no enfraquecimento da presidente Dilma Rousseff um meio para melhorar sua imagem perante o eleitorado, tenha resolvido dar um tempo, como se costuma dizer. Isso pode abrir algum espaço para a presidente negociar programas e projetos que comecem a dar alguma indicação de que, mais de oito meses depois de ter assumido seu segundo mandato, ela afinal decidiu governar. Não seria sem tempo se ela assim agisse, pois, embora parte do empresariado pareça ter se acostumado com a crise, esperando que passe por algum milagre, continuamente surgem sinais claros de que as coisas ainda vão piorar. A indústria vive seu pior momento em várias décadas. A produção de julho foi mais de 10% menor do que a de julho de 2013 - um mês depois, não custa lembrar, da eclosão das grandes manifestações de descontentamento da população com os rumos do governo e da economia, mas antes que se conhecesse a extensão do esquema de corrupção na Petrobrás que a Operação Lava Jato vai desvelando. O desemprego alcançou 8,3% no segundo trimestre do ano, o maior nível desde 2012, quando começou a ser aferido de acordo com a metodologia da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Esse índice significa que a população sem emprego alcançou 8,4 milhões de trabalhadores, 5,3% mais do que o número constatado no primeiro trimestre. As vendas do comércio caem, a inadimplência cresce entre pessoas físicas e jurídicas. Sem ver perspectivas de recuperação, o setor produtivo congela planos de expansão e modernização, o que deixa o quadro ainda pior. O resultado mais desalentador foi o do Produto Interno Bruto (PIB) anunciado há pouco pelo IBGE. No segundo trimestre, a economia brasileira encolheu 1,9% em relação ao primeiro, quando já havia encolhido 0,2% em relação aos últimos três meses de 2014. Duas reduções trimestrais consecutivas caracterizam tecnicamente uma recessão. Não se vê o fundo do poço. Mas o governo parece que tem uma capacidade inesgotável para, diante dos imensos problemas que exigem soluções urgentes e corajosas - boa parte dos quais, diga-se, gerada no primeiro mandato de Dilma -, torná-los ainda piores, desperdiçando as poucas oportunidades que se lhe oferecem. O surgimento da estapafúrdia ideia de ressuscitar a CPMF, o odiado imposto do cheque, e seu rápido e atabalhoado abandono parecem a síntese de um governo perdido diante da imensidão da tarefa fiscal que criou para si. A elaboração e o envio ao Congresso de um projeto de orçamento para o ano que vem que não fecha - tem uma diferença de R$ 30,5 bilhões entre despesas e receitas primárias -, além de poder caracterizar desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, mostram um governo incapaz de administrar com competência e confiabilidade o dinheiro público colocado sob sua gestão. Todo cidadão responsável sabe que, se seus recursos não bastam para cobrir as despesas previstas, estas têm de ser cortadas. Mas diz-se que a presidente não aceita cortes. Por isso quis empurrar o problema para o Congresso, cujos espertos dirigentes já deixaram claro: a responsabilidade pelos cortes é do Executivo. Se nunca foi fácil aprovar no Congresso um orçamento austero, um como o enviado pelo governo, com déficit primário - isto é, sem contar os gastos com os juros - tem tudo para ser rejeitado pela maioria dos parlamentares. A rigidez da estrutura orçamentária brasileira decerto torna muito difícil o corte de despesas. Os números podem variar, mas é sabido que de 80% a 90% das despesas não podem ser cortadas, razão pela qual restam de 10% a 20% delas que estão sujeitas à tesoura do ministro da Fazenda, que, em situações mais difíceis, costuma aplicá-las nos investimentos, com perda para a qualidade dos serviços públicos e da infraestrutura. Mas isso não vem de agora. É problema antigo, que governos anteriores ao de Dilma também enfrentaram, sem recorrer à proposição de um projeto de orçamento deficitário. Mas Dilma recorreu a isso. É a primeira vez que o País assiste a uma atitude dessas. É mais um erro que se soma ao conjunto que Dilma Rousseff e seu governo vêm acumulando, mas não tiveram, até agora, a coragem de reconhecer. Sem os reconhecer, como corrigi-los?* Jorge S. Okubaro é jornalista, autor de 'O Súdito (Banzai, Massateru!)', editora Terceiro Nome