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'Imposto na telefonia é um escândalo'

Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, diz que, se baixar os impostos, o mercado vai crescer 250%, ‘vai bombar’

Foto do author Eduardo Rodrigues
Por Eduardo Rodrigues , Anne Warth e BRASÍLIA
Atualização:

Aproveitando a inclinação da presidente Dilma Rousseff em cortar os impostos e encargos que encarecem as contas de luz, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, propõe que a redução das tarifas também barateie as contas de telefone dos consumidores. Para isso, porém, o governo teria de comprar a briga com os Estados, uma vez que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o que mais pesa no preço das ligações.

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Em entrevista ao Estado, Bernardo avaliou que a alta carga tributária dos serviços de telecomunicações - classificada por ele como um "escândalo" - limita a expansão do setor, que nos últimos anos já tem crescido a um ritmo bem acima do verificado no restante da economia. Mas um eventual corte nos tributos, acrescentou, seria condicionado a um maior equilíbrio nos planos oferecidos pelas operadoras, sobretudo nos chamados pré-pagos. 

A seguir, os principais trechos da entrevista. 

O governo vai cortar os impostos e encargos da conta telefônica, a exemplo do que pretende fazer na conta de luz? 

Não posso dizer se a presidente vai reduzir isso. Há 15 dias fui consultado e mostrei a ela alguns quadros sobre os tributos do setor de telecomunicações, que eu acho - para falar o mínimo - um escândalo. E estamos falando de serviço, do que é cobrado nas contas telefônicas. Ela disse que ia conversar com pessoal da Fazenda, mas eu ainda não fui comunicado. 

O que teria mais efeito, cortar na tributação federal ou nas estaduais?

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Eu acho que nós devemos mexer em tudo. Na verdade, eu acho que o ICMS estadual é muito, muito, muito alto. Se você pega uma conta de telefone de R$ 100, por exemplo, a carga de impostos é de até R$ 43, dos quais R$ 35 são só o ICMS. Se comparar com o total da fatura, o tributo estadual é de 35%, mas se comparar só com o que de fato foi o custo do serviço utilizado pelo cliente, a proporção chega a 50%. 

O difícil é convencer os governos estaduais a abrirem mão dessa receita. 

Primeiro nós temos de respeitar o fato de que os Estados têm suas contas para pagar, e os secretários e governadores têm suas preocupações com o orçamento. Mas acho que tirar só a carga federal não vai resolver, temos de convencer governadores a tirar um pedaço. Há Estados que cobram 27%, outros cobram 30% e alguns 35% de ICMS. Eu defendo, por exemplo, que baixemos tudo para 25%. 

Mas o cenário político permite essa negociação com os governadores?

Se não for esse o momento, que façamos adiante, daqui a um ano. Mas a gente tem a obrigação de apontar o problema. Mais de 60% da arrecadação dos Estados é com o ICMS de combustíveis, automóveis, telecomunicações, energia e bebidas. No caso das telecomunicações, é um recolhimento fácil e invisível, porque a secretaria estadual de Fazenda recebe cinco ou seis boletos das companhias e arrecada de toda a população. O consumidor nem percebe. 

O senhor já pensa em uma estratégia para fazer isso?

Podemos fazer um plano e ir desonerando aos poucos, eu não quero desequilibrar as finanças de ninguém. O mercado brasileiro está crescendo e isso significa uma receita extra que está entrando para todo mundo, para o governo federal e para os Estados. Eu acho que, se baixarmos os impostos, o mercado não vai mais crescer 130% como nos últimos 15 meses, vai crescer 250%, vai bombar. A tributação hoje é uma barreira ao crescimento dos serviços. Com essas alíquotas, você acaba limitando a expansão do setor, porque uma pessoa que gasta R$ 100 todo mês poderia estar telefonando muito mais.

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E quem tem um plano pré-pago liga menos ainda.

O usuário do serviço pré-pago ainda paga mais caro. Podemos propor a redução da carga tributária desde que empresas acabem com esse pré-pago absurdo. No pós-pago, o cliente gasta em média R$ 54,33 para falar 100 minutos, enquanto no pré-pago a mesma duração de chamadas custa até R$ 135,37. Com esses valores, os impostos pagos no pós-pago são de R$ 23,36, enquanto no pré-pago custam até R$ 58,20. Ou seja, uma carga tributária duas vezes e meia maior para a mesma quantidade de minutos. É uma tragédia. 

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Como o serviço chegou a essa distorção tão grande? Faltou regulação e fiscalização por parte do governo? 

O problema está na chamada tarifa de interconexão, que já começamos a atacar. Hoje as companhias habilitam aparelhos pré-pagos para quem não tem condições de colocar crédito, mas são remuneradas sempre que esses clientes recebem ligações. É o fenômeno do celular "pai de santo", que só recebe. O valor pago de operadora para operadora é de R$ 0,54 por minuto, mas a Anatel já decidiu diminuir esse custo em 30% até 2014. Já falei com o (presidente da Anatel) João Rezende para começar os estudos para diminuir mais. E já avisei as empresas que nos vamos reduzir mais. Hoje, os consumidores têm vários chips para falar com cada uma das operadores e nem sabem que elas ganham com isso. 

A desoneração para os smartphones pode sair ainda este ano?

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Eu mostrei para presidente Dilma os dados do crescimento do setor. Ela disse que quer desonerar e me mandou falar com a Fazenda. Estão fazendo as contas lá. Acho que desonerar vai ser importante porque as fábricas devem vir pra cá para produzir equipamentos com base no sistema operacional Android, na faixa de R$ 300 a R$ 400, com condições de pagamento em até dez vezes com as operadoras. Isso vende igual pipoca. 

Mas o serviço hoje de internet móvel já não é satisfatório, mesmo nas grandes cidades. As redes aguentarão essa nova demanda?

Acho que as empresas não se prepararam para o crescimento do mercado, fizeram um planejamento conservador de 30% de expansão e tivemos 130% a mais de usuários. E acho que o Estado também não se preparou e exigiu esses padrões de qualidade antes. Poderíamos ter votado os regulamentos de compartilhamento, competição e qualidade antes, temos de assumir que também falhamos nisso, mas nós estamos fazendo. Estamos exigindo investimentos das empresas e estamos dando condições, com desoneração para a construção das redes. 

O governo vai mesmo alterar o marco regulatório para as telecomunicações? 

Há uma série de especulações, mas a verdade é que nós temos concessões que vigoram até 2025, temos revisões quinquenais e nós não temos nenhuma definição de mudança. Eu pedi para a Anatel - e estamos fazendo aqui também - estudos sobre esse modelo para não sermos imprevidentes e deixarmos chegar ao problema que está ocorrendo com as concessões do setor elétrico que estão vencendo agora. Para não criarmos um dilema faltando dois anos, um ano, começamos a fazer estudos, mas de fato não há nenhuma definição sobre isso. 

E o prometido novo marco regulatório da mídia? 

Olha, ele andou bastante. Fizemos toda a revisão, preparamos os elementos para fazer uma consulta pública e acho que não pode ser encaminhado sem haver um grande debate. Conversei com a presidente e ela me orientou a fazer consultas com todos os setores e atores interessados, e nós pretendemos colocar em consulta pública, embora ainda não haja data. Pode ser neste ano ainda, e eu espero que seja. 

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O governo não quer assumir sozinho o ônus do projeto?

Nós queremos fazer um debate e nem vamos colocar o projeto, mas os temas para debater. E em vez de colocarmos um projeto já no formato técnico e jurídico, vamos colocar questões. Por exemplo: político deve ter rádio e televisão? As TVs educativas funcionam bem do jeito que estão? Nós já mudamos algumas coisas por decreto, como os critérios para a concessão de outorgas para se evitar o uso de "laranjas", mas eu acho que deveria mudar o marco todo. 

Haverá mudança na limitação ao capital estrangeiro nas empresas de comunicação?

Nós não estamos pensando em propor nada disso aí, mas não sei se na consulta vai aparecer. Até o pessoal da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) me perguntou sobre isso, mas nós não temos proposta de mudar. Eu particularmente acho que quem tem 30% pode ter 49% também, me parece que o espírito da Constituição é não permitir que haja o controle estrangeiro. Acho que tem de manter isso. 

Como o marco vai tratar os sites de notícias? 

Isso é um problema. Quando fizeram a Constituição, em 1988, não havia internet e essa questão não estava posta. Então, dizer que a Constituição limitou site com capital estrangeiro não é possível. Alguém pode decidir que o espírito da Constituição vale para esse site também, mas se eu fizer isso vou parar imediatamente no Supremo Tribunal Federal (STF). Outra coisa que eu falei para a ANJ é a eficácia de uma decisão como essa. Mesmo que o STF diga: portal de notícia é órgão de comunicação e não pode ter controle estrangeiro, o cara pode montar o escritório em cima da Ponte da Amizade, do lado do Paraguai, e continuar publicando notícias em português na rede. Quem vai impedir isso? 

E as concessões de rádio de TV nas mãos de políticos?

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Eu acho que não deveria ter, mas há também uma dificuldade porque a legislação hoje não proíbe. Ela diz que político não pode ser administrador de qualquer empresa, ele tem de se afastar. E por outro lado tem de haver regras que digam o que deve ocorrer com a evolução da situação.

A lei teria que dizer como fazer para sair da concessão e ainda ter uma clareza suficiente para que ele não possa simplesmente transferir para a mulher ou as filhas, como a gente sabe que acontece. Acho que a consulta pública pode dizer o que a sociedade acha de uma coisa como essa, mas depois tem de se construir a solução.

Isso resolveria a questão para o futuro, mas por que o governo não ataca as concessões irregulares hoje?

Se você quiser hoje cassar uma concessão de rádio ou TV de uma emissora que não cumpre suas obrigações, é muito difícil. Você tem de ter decisão judicial ou então tem de votar no Congresso com quórum de, no mínimo, 40%. É um negócio dificílimo, acho que não teve nenhum caso até agora. Nós podemos colocar na consulta pública essa necessidade de uma outorga como essa passar pelo Congresso. Eu acho que a sociedade precisa tomar conhecimento dessas coisas, para inclusive apoiar a mudança. Se eu mandar um projeto para o Congresso querendo mudar isso, não vai mudar nada.

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