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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Imposto Único, proposta para ser esquecida

O Instituto Brasil 200, presidido por Gabriel Kanner, defende a volta de uma nova CPMF, sob o nome de Imposto sobre Transações Financeiras (ITF)

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Foto do author Celso Ming
Atualização:

A necessidade de taxar os serviços digitais que escapam à tributação é um dos pressupostos em que se apoiam os empresários reunidos no Instituto Brasil 200 para defender a volta da CPMF, na condição de Imposto Único, que viria com o nome de Imposto sobre Transações Financeiras (ITF).

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Esse imposto não seria cobrado apenas no saque de recursos do banco, como acontecia com a CPMF, mas também na entrada. Pretende atingir todos os pagamentos e incidiria tanto sobre quem paga quanto por quem recebe. Como é um tributo que viria para substituir cinco impostos federais (PIS, Cofins, IPI, CSLL e IOF) que alcançam cerca de 27% do PIB, teria que ter uma alíquota relativamente alta, avaliada em 2,8%, em cada ponta da movimentação financeira. Ou seja, em cada movimentação, o imposto total seria de 5,6%.

O presidente do Instituto Brasil 200, Gabriel Kanner, argumenta que esse novo imposto seria o único que alcançaria os novos modelos de negócio que estão se multiplicando com a revolução tecnológica e a intensificação do uso de aplicativos. E esse é o primeiro ponto altamente duvidoso. Esse imposto supõe alta bancarização, ou seja, que todo ou quase todo o sistema de pagamentos passe por alguma conta bancária. E o que se tem a dizer é que 60 milhões de pessoas no Brasil não possuem conta bancária e, por isso, não seriam alcançadas por esse imposto.

O presidente do Instituto Brasil 200, Gabriel Kanner, defende um Imposto Único, similar à antigaCPMF, no lugar de cinco impostos federais Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO - 2/5/2019

Além disso, se for instituído, esse imposto provocará necessariamente novo grau de desbancarização do sistema de pagamentos, como defesa espontânea dos contribuintes contra o agarrão do Fisco. Foi o que aconteceu nos países onde esse tipo de tributo foi criado.

Kanner argumenta que isso não aconteceu no Brasil quando vigorava a CPMF. Com base nesse precedente, entende que não acontecerá quando o Imposto Único estiver em vigor. No entanto, isso não aconteceu no Brasil por duas razões. Primeira, porque a alíquota era relativamente baixa; e, segunda, porque alcançava apenas a ponta pagadora da transação financeira e não a recebedora.

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Nas novas condições, toda a atividade econômica se organizaria para fugir desse imposto por meio de mecanismos de pagamento que evitariam os bancos. Isso aconteceria por escambo (troca de mercadorias e serviços, para pagamento apenas por diferença); pré-pagamento, que evitasse taxação cumulativa em etapas intermediárias; verticalização de empresas, para transações apenas contábeis entre matriz e subsidiárias; e uso de moedas digitais. A libra, que será lançada em 2020 pelo Facebook e outras 26 grandes empresas de alta tecnologia, tem por objetivo declarado alcançar transferências e pagamentos fora do sistema bancário global, segmento estimado em mais de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo.

Ou seja, qualquer imposto sobre movimentação bancária poderia alcançar alguns negócios fechados por via eletrônica, mas não enquadraria a maioria. Como esses segmentos que escapam do Fisco poderiam vir a ser tributados é matéria de intensa discussão entre especialistas nos países avançados, sem que até agora tenham chegado a uma conclusão coerente.

Estrago no mercado de capitais

Dia 25, esta Coluna afirmou, também, que o Imposto Único provocaria grandes estragos no mercado de capitais, especialmente nas bolsas, porque encareceria insuportavelmente os investimentos: acrescentaria 2,8% de imposto em cada ponta de cada negócio. Kanner sugere que os investimentos financeiros fiquem de fora desse imposto. Cada investidor, diz ele, teria uma conta à parte nos bancos apenas para esse tipo de aplicação. É uma proposta impraticável, porque essa segunda conta poderia ser usada para movimentações que nada teriam com aplicações financeiras.

De mais a mais, investimento não acontece apenas na área financeira. Também avança para o mercado imobiliário, para despesas com reforma, compra de máquinas, etc.

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Essas seriam apenas algumas das grandes distorções que esse tipo de imposto produziria. Ele subverteria a estrutura de preços relativos; incidiria cumulativamente (em cascata) na economia, o que é proibido pela Constituição; não poderia ser excluído dos preços dos produtos de exportação e, nesse caso, o Brasil acabaria por ter de exportar impostos; e encareceria dramaticamente as operações de capital de giro de curto prazo.

Entre as cinco propostas de reforma tributária hoje objeto de debates no Congresso e fora dele, esta aí, a do Imposto Único, deve ser esquecida.