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‘Incerteza política aumenta cautela’

Por Ricardo Leopoldo e Teresa Navarro
Atualização:
Mesquita lembra que, para o mercado, País terá recessão profunda em 2015 Foto: Ed Ferreira/Estadão

Incerteza é a palavra-chave do momento que atravessa o Brasil. Com essa ressalva, repetida algumas vezes durante entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, o economista Mario Mesquita, ex-diretor do Banco Central e hoje sócio do banco Brasil Plural, diz que o cenário básico com o qual trabalha para os próximos meses é de um grande acordo político, uma “concertação”, que deverá viabilizar o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. 

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Ele diz que são necessárias mudanças impopulares, como revisão de vinculações orçamentárias e definição da idade mínima para aposentadoria, e a crise é um bom momento para discutir essas medidas. “A recessão nunca é boa, mas nessas ocasiões é que são quebradas resistências”, afirma Mesquita, na entrevista a seguir. 

Qual é a avaliação do sr. sobre os impactos da crise política na economia?   Incerteza é a palavra-chave. A incerteza política aumenta a cautela do empresariado, com efeito sobre a economia.

O sr. trabalha com cenário de impeachment da presidente?

Não é ainda nosso cenário básico. É um cenário que é possível, que está sendo muito discutido na classe política, pela mídia, mas ainda não observamos as condições sociais, econômicas e em especial políticas para que aconteça. Mas o fato de nós, e o mercado inteiro, discutirmos essa possibilidade é uma manifestação da incerteza. O mercado gostaria de ver no segundo semestre uma evolução nessa situação de incerteza. O mais provável é que ocorra algum tipo de acordo de governabilidade entre o Executivo e o Congresso.

Qual cenário político prevalecerá nos próximos meses?

O cenário básico é que haja uma concertação em torno da agenda proposta pelo presidente do Senado (Renan Calheiros). Mas há muito ceticismo na classe política sobre a viabilidade dessa agenda. Esse é nosso cenário, mas que também é sujeito às incertezas.  Caso prevaleça o acordo, como será o desempenho da economia até o fim de 2016? 

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Estamos revendo os números. O cenário que é consenso de mercado está se consolidando: uma recessão profunda em 2015, quiçá algum crescimento no ano que vem, a partir da segunda metade. O mais importante é que o PIB não voltará ao pico antes de 2017. Só a partir de 2017, o PIB vai crescer além do que tinha em 2014. A recessão é inevitável, reflete desequilíbrios que a economia acumulou nos últimos anos. Essa política necessária (de ajuste) já teria um efeito contracionista sobre o consumo. Além disso, ocorreram vários impactos negativos sobre o investimento: o ajuste na Petrobrás, o efeito das investigações sobre o setor de construção e a incerteza política.  Com a piora da crise, o investidor estrangeiro passou a ter avaliação negativa sobre o Brasil?

O investidor estrangeiro teve um momento favorável em relação ao Brasil no início do ano, quando parecia que a dupla formada pelo vice-presidente, Michel Temer, e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ia assumir a condução da política econômica e a interlocução política com o Congresso nos dois primeiros anos deste mandato. À medida que a efetividade dessa interlocução com o Congresso foi se mostrando menos intensa, o investidor estrangeiro começou a rever um pouco sua posição. Ele também foi pego de surpresa com a mudança da meta fiscal. Os investidores questionam a capacidade do sistema político brasileiro dar ao ministro o apoio necessário para fazer o ajuste fiscal, uma incógnita que todos compartilhamos.

Como quebrar a resistência dos políticos às reformas? 

A recessão nunca é boa. Mas ela está tocando em problemas que têm de ser enfrentados. As discussões fiscais mais profundas, em geral, ocorrem em momentos difíceis. Nessas ocasiões, são quebradas resistências. Independentemente do partido no poder, vai ter de discutir vinculação de receitas e a idade mínima de aposentadoria. O nosso arcabouço legal, a Constituição de 1988, ‘contrata’ um crescimento das despesas acima do PIB. A única forma de fechar a conta a longo prazo é um crescimento das receitas públicas como proporção do PIB. Só que isso significa, tirando operações extraordinárias, crescimento da carga tributária. O crescimento da carga tributária sem limites inviabiliza o crescimento da economia. Esse debate mais fundamental é que o ministro (Levy) tenta suscitar. 

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Qual o peso que o ministro Levy teve na decisão da Moody’s de rebaixar a nota do Brasil em intensidade menor do que a esperada pelo mercado?

O ministro goza de bastante credibilidade de investidores, das agências de rating e do FMI. O Banco Central também, com Alexandre Tombini. Esse veredicto da Moody’s, que fez o rebaixamento de um nível, sem a perspectiva negativa, deve-se em boa medida à credibilidade do ministro. O Brasil também tem reservas internacionais ao redor de US$ 370 bilhões frente a um passivo do setor público de uns US$ 120 bilhões. Isso ajuda manter a avaliação de risco. 

Qual é sua avaliação da política cambial?

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Tive muitas dúvidas sobre o programa de swap (intervenção do BC no câmbio, equivalente à venda de dólares), que ficou grande demais. O estoque vinha sendo reduzido, a rolagem aumentou de novo. O câmbio deve encontrar seu valor com a menor interferência possível das autoridades, exceto em momentos de falta de liquidez, quando a formação de preços fica disfuncional. No mundo ideal, o BC seguiria retirando os swaps, assim que o mercado se acalmar, sem compensar isso com venda de dólar. Prevemos que o dólar atingirá R$ 3,50 no fim do ano.

O BC aparentemente parou de elevar os juros. Quais são os fatores que levarão o Copom a baixar a Selic em 2016? 

O BC sinalizou que precisa ver as próprias projeções de inflação apontarem para menos de 4,5% e a expectativa de mercado ceder. É mais provável que tais condições se evidenciem no segundo trimestre de 2016, em relação às projeções para 2017. A queda de juros deve ocorrer a partir de abril. Isso é condicionado também a um cenário de certa estabilidade cambial. Se o câmbio for, digamos, para R$ 4, por algum choque, será difícil cortar o juro, mesmo que a economia esteja muito fraca.

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